Retiro Ser Conduzindo – dia 12
11 de junho de 2020

7 – “E a santidade se fez carne…”

Deus é sempre novidade, que nos impele a partir sem cessar e a mover-nos para ir mais além do conhecido, rumo às periferias e aos confins. Leva-nos aonde se encontra a humanidade mais ferida e aonde os seres humanos, sob a aparência da superficialidade e do conformismo, continuam à procura de resposta para a questão do sentido da vida. Deus não tem medo! Ultrapassa sempre os nossos esquemas e não Lhe metem medo as periferias. Ele próprio Se fez periferia.

Por isso, se ousarmos ir às periferias, lá O encontraremos: Ele já estará lá.

Jesus antecipa-Se-nos no coração daquele irmão, na sua carne ferida,

na sua vida oprimida, na sua alma sombria. Ele já está lá”

(Papa Francisco, GE n 135).

Na contemplação da Encarnação, S. Inácio nos convida a imaginar a SS. Trindade que, com seu olhar contemplativo, acolhe “a grande extensão e a curvatura do mundo” com um abraço apertado e decidido, de tal maneira que nada do que é “mundano” é deixado para trás, evitado ou negado.

O que aconteceu no mistério da Encarnação é algo surpreendente e cheio de novidade.

Deus é Santo não só porque ama radicalmente a sua criatura, senão que se “abaixou” e se fez um de nós em Jesus: a carne é digna de Deus, o mundo é digno de Deus, a Encarnação é a expressão mais profunda de que somos de Deus. Com isso, rompe-se o medo do corpo, o medo do humano, o medo do diferente, o medo do mundo, o medo de sentir e experimentar a condição humana, com sua grandeza e fragilidade.

Aquele que é Santo, e por quem foram feitas todas as coisas, pede o consentimento à virgem de Nazaré para assumir a vida humana no seu seio virginal. Para que sejam cumpridas, para que o Salvador entre na nossa história, só falta o Sim de Maria.

Deus nunca força a liberdade humana, nem mesmo nos momentos em que está em jogo o futuro da humanidade; dinamiza-a, a partir de dentro, em todos aqueles que se abrem à sua graça.

O Deus que nos criou sem pedir o nosso consentimento, nunca nos impõe missão alguma sem o nosso assentimento. Ele suscita nossos desejos, atrai, convida, mas respeita sempre nossa liberdade. Nossas decisões serão tanto mais livres e fecundas, quanto mais unidos estivermos com Deus, quanto mais confiarmos na sua graça; mas elas devem ser assumidas por nós.

A redenção querida por Deus é universal, mas encarna-se no particular, no ponto de intersecção de um tempo e de um espaço únicos: na casa e no corpo de Maria de Nazaré, na Galiléia.

Esse ponto torna-se o centro da história, o ponto de apoio e de partida de um movimento pelo qual o Filho assume a condição humana para fazê-la retornar consigo, pelo poder do Espírito, ao Pai.

Para realizar a salvação dos homens, Deus escolhe o insignificante e desprezado pelos homens.

Escolhe o caminho do “esvaziamento” e do “amor louco”. Verdadeiramente, os caminhos de Deus não são os nossos caminhos, e seus pensamentos não são os nossos pensamentos (Is 55,8).

Maria entra em sintonia com a Santidade de Deus e do seu “interior santo” brota um “sim” radical: nada de condições, nada de garantias, nada de averiguações. Venha o que vier. Abertura total e entrega definitiva. Será dor e será alegria, será morte e será ressurreição, será esperar e será acolher.

Tudo virá a seu tempo e à sua maneira, porque a porta está aberta, o coração está entregue e os céus esperam. Esse é a resposta que Deus aprecia; espera um “sim” claro, definitivo e permanente. Então Ele entra em ação com toda a força de sua Graça, o poder de sua glória e os planos de sua eternidade. E consuma-se a Redenção.

Devemos compreender que a Anunciação não se refere somente a Maria, mas a cada um de nós e à humanidade inteira.

O amor com o qual Deus nos ama é, ao mesmo tempo, um amor voltado à humanidade inteira e um amor que se dirige a cada um em particular, pois foi Deus que nos concedeu a cada um o dom de existir.

Podemos dizer que cada um de nós é amado e buscado como se fosse o único no mundo. E este amor, no entanto, nos invade para nos atravessar e chegar até os outros. “Cheios de graça”, assim como Maria.

Não olhemos a Anunciação como se fosse um acontecimento exterior a nós. Estamos todos incluídos nela.

O mistério da Anunciação é como o nosso espelho: nele todos nos vemos; ou melhor, a Anunciação acontece com todos nós, a todo momento e em todos os lugares e etapas da vida.

Anunciação somos todos que, como Maria, dialogamos com Deus desde o mistério mais profundo de nossa vida, em gesto de disponibilidade radical

A Anunciação a Maria é uma experiência universal: todos recebemos visitas dos mensageiros de Deus.

Estamos rodeados de mensageiros divinos: pessoas (presenças angelicais), fatos, experiências interiores… que através de vozes e sinais movem nossa vida em direção à missão. São anúncios surpreendentes, inesperados… Deus é surpreendente, inesperável, revela-se na vida… É preciso uma atitude contemplativa da vida para perceber os sinais divinos de sua presença.

E o que ele nos pede? Deixar-nos conduzir pelo Espírito, como “Maria que respira ao ritmo do Espírito”. Quem se deixa conduzir pelo Espírito torna-se fecundo, está aberto à vida, gera a vida e luta em favor da vida.

Inspirados na linguagem da “Contemplação da Encarnação”, contemplamos com o olhar da Trindade nosso mundo fragmentado, vendo as diversidades em conflito que geram o sofrimento, a exclusão, a morte e os infernos… E esses espaços e fronteiras são cada vez mais extensos e problemáticos; mas, nas profundezas de todos esses “mundos que nos são estranhos” se revela a presença do Filho de Deus “novamente encarnado” (EE. 109). Pois tudo foi alcançado e redimido pelo amor encarnado de Deus.

Do encontro com a santidade de Deus brota, em todos nós, um “sim” do mais profundo; sim, sem temor, sem dúvida; sim que nos expande em direção aos outros; sim que nos coloca em movimento; sim que desencadeia outros sins. Sim que muda a história pessoal e coletiva. Sim que destrava nossa vida, nos faz criativos, abertos ao novo. Sim que nos faz entrar em sintonia com o Sim de Deus, proferido desde todos os tempos.

Sim que é dado a Deus se amplia; sim que revela nossa identidade, nos humaniza. Sim que aponta para a vida. Deus é sempre fecundo; deixar Deus ser Deus em nossa vida: essa é a marca da Anunciação.

O consentimento de Maria encerra o diálogo; o anjo retira-se em silêncio. Com certeza, estava alegre, por poder contar com o sim resoluto de Maria. Que o anjo não se afaste triste de nós, pela nossa resposta negativa.

Textos bíblicos: Lc 1,26-38; Lc 1,39-56

Na oração: Nem sempre temos consciência da força e do dinamismo que a expressão “sim” carrega; uma expressão que move o mundo; expressão oblativa que nos faz ex-cêntricos (o centro é o outro).

Dizer “sim” é ampliar o próprio interior para que Deus possa encontrar mais espaço livre e poder atuar.

Dizer “sim” é deixar “Deus ser Deus”.

Ao mesmo tempo, a atitude que se expressa no “sim” é a que mais nos humaniza, pois alarga e desata todas as possibilidades humanas que carregamos dentro de nós.

– Fazer memória dos “sins de vida”, pronunciados ao longo de sua existência, e que foram o prolongamento do “sim” de Maria.