Retiro Ser Conduzido – dia 8
7 de junho de 2020

5 – Santidade: presença misericordiosa

O Senhor deixou-nos bem claro que a santidade não se pode compreender

nem viver prescindindo destas suas exigências,

porque a misericórdia é o coração pulsante do Evangelho”

(Papa Francisco, GE n.97)

Somos chamados à santidade e santidade está relacionada com compaixão, com misericórdia, com amor, com esse convite que Deus nos faz: “Sede santos porque Eu sou Santo”.

Deus é Santo porque está presente e atuante nas fendas de nossa vida, de nossas feridas e fracassos… O Deus Santo desce e santifica toda nossa existência; Ele entra em nossa história pelo lado mais frágil e limitado.

Deus é AMOR e nisso consiste a santidade de Deus. Trata-se, pois, de abrir-nos ao Amor, dentro mesmo dessa realidade nossa de criaturas limitadas, frágeis, pecadoras…

Ora, essa capacidade de Amar nos é dada por Deus, é um dom de Deus.

A santidade, portanto, é dom de Deus e nos é dada agora, imediatamente:

Somos amados por Deus, sem condições, agora, com todas as nossas imperfeições, pecados, fraquezas, debilidades, limitações, traumas…; e esse Amor de Deus sem condições, nos torna capaz de amar agora, de fazer o bem agora, de servir agora, de ser santo agora, apesar de nossas imperfeições e fraquezas.

A grande ilusão é pensar que só poderemos amar, servir, fazer o bem quando formos perfeitos. Somos santos agora e devemos amar agora, embora sejamos também pecadores.

A santidade nunca é humilhada pelo pecado, porque a santidade é humilde. Somos humildes quando a-ceitamos ser pobres, frágeis, limitados, pecadores, mas amados na nossa pobreza e fragilidade.

A santidade é recusa de deixar-nos fechar no próprio pecado, é a capacidade de ultrapassar as próprias con-denações porque um Outro nos acolhe e nos ama apesar de nosso pecado.

A santidade é a certeza de não podermos salvar-nos a nós mesmos e acolher, na ação de graças, uma salva-ção que nos é oferecida gratuitamente por Deus que nos ama.

A santidade nunca leva ao fechamento, antes abre-se para Deus acolhendo sempre o seu perdão e abre-se para os outros no amor, no serviço e no dom. A santidade é a recusa de ser o seu próprio juiz, constituindo-se no lugar privilegiado de liberdade aberta ao sopro do Espírito.

A santidade liberta, é confiante, é alegre; leva-nos a passar da recusa e condenação de nós mesmos e dos outros para a descoberta de nós e dos outros.

Finalmente, santidade não é um combate que desgasta. Não é no fim da vida que se chega à santidade. Ela deve aparecer em cada instante que passa, em cada pequeno ato de amor, de bondade, de compaixão, de acolhida do outro. Santidade não é um resultado que possa ser contabilizado; santidade é um caminhar.

Os santos e as santas são aquelas pessoas que, conhecidas ou anônimas, são presenças inspiradoras para nós que buscamos viver o seguimento de Jesus Cristo com mais autenticidade. Ao mesmo tempo, vem nos recordar a vocação à qual todos somos chamados: vocação à santidade. E santidade significa, na sua essência, ser presença misericordiosa.

Para Jesus, a Santidade é fundamentalmente a atitude e o modo de agir que deixa fluir os mesmos sentimentos e a mesma ação de Deus Pai: “Sejam misericordiosos como o Pai é misericordioso” (Lc 6,36).

O chamado a prolongar o proceder misericordioso de Deus (sua Santidade), sempre tem um “mais” de amor, de paz, de mansidão, de justiça, de consolação…, recebido e vivido na relação com os outros, dentro do acontecer cotidiano e imprevisível da vida.

Portanto, é no chamado à santidade que encontramos um “modo de proceder” que nos faz crescer na direção da Santidade de Deus. É na vivência da santidade que deixamos transparecer o que há de mais divino em nós; ao mesmo tempo, ela faz emergir o que há de mais humano em nossas vidas.

A plenitude do humano só se alcança no divino, que já está presente em nós. Ser santo é aspirar ser mais humano a cada dia, destravando e expandindo a misericórdia que Deus derramou em nosso interior.

Quando acreditamos que para ser santo temos de anular os sentidos, reprimir os sentimentos, submeter a vontade, centrar a vida nas renúncias e sacrifícios… nós estaremos nos desumanizando.

Quando colocamos a santidade no extraordinário, estamos nos afastando da referência evangélica. Se cremos que santo é aquele que faz o que ninguém é capaz de fazer, ou deixa de fazer aquilo que todos fazem, já caímos na armadilha do ideal de perfeição. Não fomos chamados para sermos “perfeitos” mas para sermos “santos”; e a santidade é vivida em meio às fragilidades e limitações da vida cotidiana, inspirando-se sempre na santidade de Deus. E à medida que nos fazemos mais humanos, mais nos santificamos.

A experiência de misericórdia gera em nós uma atitude correspondente de misericórdia. O Deus miseri-cordioso cria em nós um coração novo, feito de acordo com o Seu, capaz de misericórdia (“bem-aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia”). É exatamente este o maior sinal da sua Misericórdia: ama-nos a ponto de enviar-nos ao mundo como instrumentos de Sua reconciliação, pondo em nosso coração um Amor que vai além da justiça.

A misericórdia presente em nós é modelada e alimentada pela Misericórdia divina.

Nossa atitude misericordiosa nos configura à imagem do Deus misericordioso. É onde somos mais semelhantes a Ele. A misericórdia como estilo-de-vida cristã nos descentra de nós mesmos e nos faz descer em direção ao outro, numa atitude de pura gratuidade. A vivência da misericórdia nos torna realmente livres, e isso nos proporciona profunda alegria interior.

A misericórdia recebida e experimentada é a base da atitude compassiva, não como ato ocasional mas como estilo de vida evangélico. Torna-se o fundamento e a perene inspiração de uma existência de partilha e solidariedade.

Entrar no movimento da misericórdia humaniza e cristifica essencialmente a pessoa, porque a miseri-córdia constitui “a estrutura fundamental do humano e do cristão”.

Fundamentalmente, a misericórdia significa assumir como própria a miséria do outro, inicialmente como sentimento que comove, mas que, logo em seguida, leva à ação.

A misericórdia parte das “entranhas” e se dirige instintivamente ao próximo na forma de proximidade, acolhida e compaixão.

Misericórdia é exatamente: “ter coração” para o outro, dando preferência aos pequenos e pobres.

A misericórdia é a caridade que “toma mãos e pés”, ou seja, o amor que se expressa em uma ação decidida e generosa, capaz de transformar e libertar.

Uma misericórdia superabundante, generosa… é gesto gratuito e positivo de encontro, de acolhida, de cordialidade, que se torna hábito de vida: até “setenta vezes sete”.

A misericórdia é humilde e não humilha, porque é discreta e silenciosa. Ser presença misericordiosa não significa pôr o outro de joelhos para que reconheça seus erros; ela nasce de um coração “educado” pela Misericórdia divina e se manifesta externamente com uma atitude mansa e condescendente. Esse Amor é uma força poderosa, não se rende diante do mal, porque é sempre capaz de redescobrir o bem ou de salvar a intenção do próximo, de abrir-lhe novamente a esperança…

Ser presença misericordiosa é um “modo de proceder”, um “estilo de vida” que não está ligado a uma transgressão; é muito mais um estilo de bondade, compreensão, magnanimidade, estilo de quem não se fixa no que o outro merece nem se escandaliza com sua miséria.

Devemos ser presença misericordiosa como pecadores, não como justos”.

A misericórdia é fundamentalmente uma mensagem de estima e confiança no outro, crer na sua amabilidade. Por isso, a presença misericordiosa é força que provoca no outro a re-descoberta de sua própria identidade (uma pessoa amada e acolhida pelo Deus misericordioso) e ao mesmo tempo desata nele as ricas possibilidades de vida que estavam latentes. Quem é misericordioso está convencido de que o irmão é melhor que aquilo que aparenta ser.

Textos bíblicos: Lc 15,11-32; Jo 8,1-11; Mt 9,1-18

Na oração: Entrar no “fluxo” da misericórdia divina: ser canal por onde circula o amor misericordioso em favor dos outros.

Somos chamados a exercer o “ofício da misericórdia”.