Retiro Ser Conduzido -dia 22
21 de junho de 2020

12 – Bem-aventuranças: rosto visível da santidade

Jesus explicou, com toda a simplicidade, o que é ser santo; fê-lo quando nos deixou as bem-aventuranças. Estas são como que o bilhete de identidade do cristão. Assim, se um de nós se questionar sobre «como fazer para chegar a ser um bom cristão”, a resposta é simples: é necessário fazer – cada qual a seu modo – aquilo que Jesus disse no sermão das bem-aventuranças. Nelas está delineado o rosto do Mestre, que somos chamados a deixar transparecer no dia-a-dia da nossa vida”. “A palavra “feliz” ou “bem-aventurado” torna-se sinónimo de “santo”, porque expressa que a pessoa fiel a Deus e que vive a sua Palavra

alcança, na doação de si mesma, a verdadeira felicidade”

(Papa Francisco, GE n. 63-64).

O Evangelho que nos foi confiado é um programa para alcançar a felicidade, a vida ditosa, prazerosa, bem-aventurada. Na boca de Jesus brilha sempre a palavra-chave: “Felizes”.

A felicidade, proclamada aqui por Ele, é já uma realidade presente na sua pessoa e na sua missão. Todas e cada uma das bem-aventuranças são autobiográficas. Elas são, portanto, a expressão do que constitui o centro mesmo da sua pessoa e da sua vida, dos seus sentimentos, atitudes; numa palavra, do seu mistério.

Poderíamos dizer que as bem-aventuranças são o auto-retrato de Jesus. Elas são o compêndio do ministério de Jesus. Não é lei que se impõe por si mesma; é confissão: “o Reino chegou”.

A primeira “canonização”, pois, teve lugar quando Jesus, num determinado dia, subiu à montanha e com grande solenidade declarou felizes os pobres, os aflitos por causa do Reino, os mansos que não recorrem à violência, os que tem fome e sede de justiça, os misericordiosos, os que não tem segundas-intenções no coração, os que trabalham em favor da paz, os perseguidos por causa da justiça. Todos eles são declarados felizes porque são os que mais se parecem com Deus, ou seja, deixam transparecer em suas vidas a santidade d’Ele. E a felicidade está justamente na vivência do chamado universal à santidade.

As Bem-aventuranças não são uma doutrina, mas um estilo de vida, um modo de proceder. Jesus não prega diretamente uma moral. Proclama a “irrupção” da graça, do amor, da misericórdia, da santidade de Deus na história da humanidade.

Porque tem a certeza de que chegou a “hora” de Deus intervir na história, Jesus fica feliz e proclama “felizes” os até agora indefesos, oprimidos e marginalizados, mas que mantiveram viva a confiança em Deus.

Jesus fala da felicidade não no singular, mas no plural. Em outras palavras, o que Ele afirma é que a felicidade de cada um está em íntima relação com a felicidade dos outros, com quem cada um convive.

Todos sabemos que, em muitos ambientes cristãos, quando se fala de santidade enfatiza-se muito mais a renúncia, a mortificação, o sofrimento, a austeridade, o sacrifício, a resignação…, ao passo que não é comum encontrar pessoas que, espontaneamente, associem santidade à alegria de viver e, em geral, a tudo aquilo que nos faz sentir melhores, sentir-nos bem e ser mais felizes.

Jesus propõe a ventura sem limites, a felicidade plena para seus seguidores. Deus não quer a dor, a tristeza, o sofrimento; Deus quer precisamente o contrário: que o ser humano se realize plenamente, que viva feliz… Jesus acreditava na vida, e queria que todos vivessem intensamente.

As bem-aventuranças des-velam o verdadeiro rosto do santo. Quem é ditoso? Quem é bem aventurado? Quem é feliz? Dizer que são felizes os pobres, os que choram, os mansos, os misericordiosos, os que tem fome e sede de justiça, os perseguidos… é um contra senso para o nosso contexto social, onde ditoso é aquele que mais acumula bens, que tem mais poder, mais prestígio…, sem se preocupar com a situação dos outros.

As bem-aventuranças são a exposição mais exigente e, ao mesmo tempo mais fascinante, da mensagem e da “intenção de Cristo”. Elas são a plenificação daquilo que é o mais humano em nós.

Poderíamos dizer que as Bem-aventuranças são a quinta-essência da vivência da santidade, no caminho do seguimento e identificação com Jesus.

As bem-aventuranças se visibilizam no pequeno, no cotidiano, no próximo mais próximo, e nos impulsionam a proclamar: a paz é possível, a alegria é uma realidade, a justiça não é um luxo, a mansidão está ao alcance da mão… Elas nos dizem que nascemos para a bondade, a beleza, a compaixão…

As bem-aventuranças devem ser escutadas e acolhidas como uma mensagem que brota do mais profundo da vida e que tem como finalidade apresentar a qualquer pessoa o mais humano que existe em nós.

Ser feliz é deixar viver a criatura livre, alegre e simples presente dentro de cada um de nós. A santidade é, assim, o livre curso da vida, o fluxo contínuo da Vida em nós que se “entretece” com a vida dos outros.

As bem-aventuranças não são leis para simplesmente evitar o mal, mas o potencial humano que, quando ativado, espalha criativamente, por todos os lugares, a Santidade, a Bondade e a Beleza divinas. Expressam, de modo conciso e explícito, o coração mesmo de Jesus e seu desejo ardente de contagiar a todos os que se encontravam com Ele.

Jesus anuncia as Bem-aventuranças como um programa para viver a santidade; e o motivo primeiro é porque todas elas são, na verdade, o caminho da santidade universal (acima e além de toda religião, pois elas são simples e profundamente humanas). As Bem-aventuranças são como o mapa de navegação para nossa vida; são o horizonte de sentido e o ambiente favorável para nossa santificação, entendida como empenho para viver com mais plenitude, segundo o querer de Deus.

As bem-aventuranças compartilham uma mesma visão “macro-ecumêmica”: valem para todos os seres humanos. O Deus que nelas aparece não é “confessional”, não é “patrimônio” de uma religião específica; não exige nenhum ritual de nenhuma religião, senão o “rito” da simples religião humana: a pobreza, a opção pelos pobres, a transparência de coração, a fome e sede de justiça, a luta pela paz, a perseguição como consequência do empenho em favor da Causa do Reino… Essa “religião humana básica fundamental” é a que Jesus proclama como “código de santidade universal”, para todos os santos e santas, os de casa e os de fora, os do mundo “católico” e os de outras expressões religiosas…

As bem-aventuranças constituem, portanto, a carta magna do Reino e princípio fundamental do seguidor de Jesus; nela aparece a visão que Jesus tinha e desejava para o ser humano. Este texto não é apenas uma normativa, uma ética, mas um modo de entender a vida humana; elas oferecem um programa de felicidade e de esperança, ou seja, elas nos ensinam a ser ditosos, no desprendimento e na solidariedade, na pureza de coração e de vida, na liberdade radical, na esperança… tanto no nível pessoal como comunitário.

Jesus nos convida a viver uma felicidade que já está em marcha. A vida é movimento e as bem-aventuranças possibilitam a passagem de uma vida suportada para uma vida plenamente assumida.

Nelas, Jesus nos desperta para sairmos de nossa paralisia e fixação, colocando-nos em marcha através de nossa fome e sede de justiça, através dos lutos que temos de superar e das oposições que temos de enfrentar, através da mansidão, da busca da paz…

Textos bíblicos: Mt 5,1-12; Mt 11,25-30

Na oração: O melhor modo de fazer esta oração é seguir um dos “modos de orar” proposto por S. Inácio, ou seja: “Contemplar o significado de cada palavra da oração” (EE. 249).

. Rezar as dimensões da vida que estão paralisadas, impedindo-lhe de viver a dinâmica das bem-aventuranças.

. Olhe no mais íntimo de você mesmo e pergunte-se: há um coração que deseja coisas grandes ou um coração adormecido pelas “afeições desordenadas”? Seu coração conservou a inquietude da busca ou você tem se deixado sufocar pelas “coisas”, que terminam por atrofiá-lo?