Retiro Ser Conduzido – dia 11
10 de junho de 2020

Espiritualidade do corpo

Jesus: Corpo de Deus entre nós, Corpo que se dá aos homens,

Corpo para os corpos, como carne e sangue, pão e vinho.

E o Corpo de Deus, Jesus Cristo, se expande, incha, tomando o universo inteiro…

É bem aí, no Corpo, que Deus e o homem se encontram.

A humanidade de Deus nos incomoda.

Coisa que os primeiros cristãos descobriram com espanto.

Eles entenderam que para falar de Deus é necessário deixar de falar de Deus,

e falar sobre um homem, um rosto, uma vida… Foi então que eles ficaram cristãos.

Deus, para falar de si, tornou-se homem. Fala sobre Deus é fala sobre um homem.

A Palavra se fez Carne. Nosso irmão. Um de nós.

Nasceu, viveu, morreu… ressuscitou.”

(Rubem Alves)

A festa de Corpus Christi quer nos fazer recordar que Corpo é cálice, onde se bebe o vinho da alegria e da salvação, inserido no Corpo místico e cósmico de Cristo. Só haverá futuro digno quando todos os Corpos viverem em comunhão, saciados da fome de pão e de beleza” (Frei Betto).

Celebramos o “Corpo de Cristo”, uma das festas mais ricas que nos faz pensar em seu conteúdo e simbolismo, mas que nos faz pensar também neste “Corpo de Cristo” no meio de tantos outros corpos.

Aceitamos, pela fé, a presença real de Cristo na Eucaristia; isso implica comunhão bem maior com sua vida, seu testemunho de amor, de partilha, solidariedade, dedicação pela transformação de tudo aquilo que não dignifica a vida ou não dignifica os “corpos”.

Participamos, com muita fé, dedicação e respeito, das celebrações do “Corpo de Cristo”, mas pode ser que, às vezes, façamos uma profunda cisão ou ruptura entre o que celebramos e a realidade que nos cerca, ou seja, os famosos “corpos”: explorados, manipulados, usados, escravizados, destruídos…

Pode ser que, às vezes, tenhamos um profundo amor e respeito pelo “Corpo de Cristo vivo e presente na Eucaristia”, e não o vejamos nos “corpos” que estão aí, aqui, ali, lá, dos nossos lados…

Parece que não sabemos lidar muito bem com esse estranho e (des)conhecido que são os nossos “corpos”. Do corpo temos tido suspeitas e o temos olhado com desconfiança.

É preciso estabelecer o diálogo com o corpo. Não se trata apenas de uma reconciliação amistosa, mas de uma descoberta radical. Ignoramos nosso corpo, apesar de tê-lo tão próximo; é preciso dar-nos conta das riquezas que tem, o muito que sabe, a importância do que tem a nos dizer, a necessidade de seu apoio e a sabedoria de sua amizade.

Aqui está nosso melhor amigo, fielmente a nosso lado, e nem sempre o percebemos.

A corporeidade penetra toda a nossa auto-realização como seres humanos. O corpo não é simplesmente “organismo vivo” ou mera “exterioridade” ou mero “instrumento do espírito”. O corpo não é o túmulo da alma, mas o templo do Espírito, o lugar onde o “Verbo se fez carne”.

Por meio da Encarnação e por meio da Ressurreição de Jesus, a carne se converteu em espelho da divindade. Assim, o corpo humano começou a ocupar um lugar central.

O corpo é de importância máxima para a experiência que temos de nós mesmos e para a comunicação com Deus, com os outros e com a natureza.

A consciência do respeito e do valor ao corpo é necessária para a maturidade afetiva. A desvalorização do corpo, por outro lado, resulta na mutilação da expressividade, da comunicação de sentimentos e prejudica a maturidade afetiva-social-espiritual.

Uma relação negativa com a corporeidade equivale a uma relação negativa consigo mesmo, com os outros e até mesmo com Deus. Não aceitar o corpo é atentar contra a vida.

A pessoa é uma totalidade unificada, um “todo espiritual” e um “todo corpóreo”, tanto que não existe fenômeno corpóreo que não tenha um reflexo no espírito, nem experiência espiritual que não se reflita no corpo. O corpo participa, de maneira imprescindível, na atuação do eu espiritual e vice-versa.

A “linguagem espiritual” acompanha a “linguagem corporal”, assim como a linguagem do corpo reforça a linguagem espiritual.

O corpo fala por si mesmo, comunica, reage… O corpo é expressão de nossa masculinidade ou feminilidade, de nossa sexualidade integrada ou reprimida, de nossa saúde ou doença, de nossa alegria ou tristeza, realização ou frustração, de nossa consolação ou desolação.

O corpo é expressão e comunicação daquilo que somos.

O próprio Deus se fez corpo, no corpo de uma mulher: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós”.

A espiritualidade cristã é “encarnada”.

A Encarnação foi o caminho que a Trindade escolheu para se aproximar da humanidade e fazer história conosco. Nosso corpo humano, feito de barro – vaso frágil e quebradiço – tornou-se o lugar privilegiado da chegada e da revelação do amor trinitário.

Não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que habita em vós?” (1Cor 6,19)

O nosso corpo é o “templo” santo e santificado, onde Deus Trino faz sua morada.

A Encarnação de Jesus não autoriza qualquer desprezo da corporeidade; pelo contrário, valoriza o ser humano na sua totalidade (Mc 2,9-11).

Jesus cura a pessoa toda a começar pelas doenças do corpo, doenças psicológicas e espirituais.

Cultivar o corpo para recuperar a saúde, combater o stress, harmonizar mente e corpo, razão e emoção, isto é benéfico. A deturpação desumanizante do corpo aparece quando ele é visto como fim em si mesmo.

Temos muitas ofertas para o corpo: ginásticas, academias, cosméticos, bioenergéticas, yoga, dança, expressão corporal, cirurgias plásticas, implantes, massagem…

Cuidar sim, idolatrar não; é preciso caminhar para a superação do medo do corpo, mas sem idolatrá-lo.

O corpo se plenifica na comunhão com outros corpos, com Deus e com o corpo da natureza. Nosso humilde corpo é parte da Criação inteira e nosso bem-estar faz sorrir a natureza.

Nosso corpo é pura relação. Nele ficam registradas todas as marcas de nossa vida, de nossa história.

A pele é a memória mais fiel de tudo o que nos acontece externamente.

O corpo é presença e linguagem – tudo nele fala: fala o rosto, falam os olhos, falam os movimentos e as posturas, falam os gestos, acompanhando, reforçando e expressando a intenção íntima.

É no corpo que o eu da pessoa historicamente se constitui em relação aos outro e às suas escolhas.

E a relacionalidade expressa pelo corpo não deve ser compreendida só em uma dimensão horizontal; essa se entrelaça com uma relacionalidade de tipo vertical que a fundamenta e a caracteriza em direção do Absoluto.

Texto bíblico: Jo 6,51-58

Na oração: Nosso corpo é tocado pela encarnação de Jesus. E lembre-se de que Deus conhece nossa estrutura. Ele sabe de que barro somos feitos.

Reze sua humanidade, seu corpo de homem ou mulher. Leve para sua oração os desafios do cotidiano, os imprevistos da vida.

Seja humano diante de Deus, deixe seu corpo falar a Deus.

Reze com seu corpo. E agradecido bendiga sempre o Senhor.