Retiro Ser Conduzido – dia 10
9 de junho de 2020

6 – Santidade:

estar no mundo… sem sair do mundo”

Dado que não se pode conceber Cristo sem o Reino que Ele veio trazer,

também a tua missão é inseparável da construção do Reino:

procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça””

(Mt 6, 33).

A tua identificação com Cristo e os seus desígnios requer o compromisso de construíres, com Ele, este Reino de amor, justiça e paz para todos.

O próprio Cristo quer vivê-lo contigo em todos os esforços

ou renúncias que isso implique e também nas alegrias

e na fecundidade que te proporcione.

Por isso, não te santificarás sem te entregares de corpo e alma,

dando o melhor de ti neste compromisso”

(Papa Francisco, GE n. 25)

Ainda carregamos resquícios de uma falsa visão da santidade como afastamento do mundo e de seus perigos e buscar refúgio no deserto, nas montanhas ou nos conventos. O santo não se afasta do mundo para encontrar a Deus; ele faz a “experiência” do Deus agindo no mundo.

Aí O encontra e caminha com Ele. O santo é aquele que faz o que Deus faz neste mundo, aquele que faz com que este mundo seja justo, santo, salvo.

O mundo não é só o “habitat” da sua missão: é sobretudo a fonte da sua espiritualidade, o lugar certo para encontrar a Deus e escutar o Seu chamado.

Pondo-nos na escola do Evangelho, é aqui, neste mundo, que Deus nos chama a estender o seu Reino, trabalhando cada dia como amigos de Jesus que passam, observam, curam, se compadecem, ajudam, transformam, multiplicam os esforços humanos.

O santo é aquele que na liberdade, afirma: “Fora do mundo não há salvação”.

A pessoa contemplativa, movida por um olhar novo, entra em comunhão com a realidade tal como ela é. É olhar o mundo como “sacramento de Deus”. Um olhar capaz de descobrir os sinais de esperança que existem no mundo; um olhar afetivo, marcado pela ternura, compassivo e por isso gerador de misericórdia; olhar que compromete solidariamente.

O santo descobre na realidade do mundo e da história os “sinais dos tempos” e entra em comunhão com tudo, porque tudo é “diafania” de Deus.

Enraíza sua convicção nesta visão, nesta mística da presença de Deus em sua obra, na contemplação de um mundo chamado a re-converter-se em justo e belo, verdadeiro e pacífico, unido e reconciliado, entranhado em Deus, como no primeiro dia da Criação.

A vocação à santidade ativa em nós a paixão pelo Reino, mobilizando-nos a levar adiante a missão, a ir aos lugares do mundo onde há mais necessidade e ali realizar obras duradouras de maior proveito e fruto.

O discípulo missionário não é aquele que, por medo, se distancia do mundo, mas é aquele que, movido por uma radical paixão, desce ao coração da realidade em que se encontra, aí se encarna e aí revela os traços da velada presença do Inefável; o mundo já não é percebido como ameaça ou como objeto de conquista, mas como dom pelo qual Deus mesmo se faz encontrar. O mundo não é lugar da exploração e da depredação, mas é o lugar da receptividade, da oferenda e do encontro inspirador.

Para realizar esta nobre missão, não podemos permanecer sentados. Seguir Jesus exige de nós uma dinâmica continuada, um colocar-nos a caminho em direção às margens. Não podemos viver o chamado do “Rei Eterno” a partir de uma cômoda instalação pessoal. A disponibilidade, o despojamento e a mobilidade são exigências básicas.

Corremos o risco de viver em mundos-bolha; podemos construir nossa vida encapsulada em espaços feitos de hábito e segurança, convivendo com pessoas semelhantes a nós e dentro de situações estáveis. É difícil romper e sair do terreno conhecido, deixar o convencional. Tudo parece conspirar para que nos mantenhamos dentro dos limites politicamente corretos. Todos podemos terminar estabelecendo fronteiras vitais e sociais impermeáveis ao diferente. Se isso acontece, acabamos tendo perspectivas pequenas, visões atrofiadas e horizontes limitados, ignorando um mundo amplo, complexo e cheio de surpresas. Muitas vezes “vemos” o diferente, mas só como notícia, como o olhar do espectador que sabe das “coisas que acontecem”, mas não sente e nem se compadece por elas.

Viver a santidade nos move a encontrar outras vidas, outras histórias, outras situações…; escutar outros relatos que trazem muita luz para a nossa própria vida. Olhar a partir de um horizonte mais amplo, ajuda a relativizar nossos próprios absolutos e deixar-nos impactar pelos valores presentes no outro. Escutar de tal maneira que o que ouvimos penetra na nossa própria vida; isso significa implicar-nos afetivamente, relacionar-nos com pessoas, não com etiquetas. Acolher na nossa própria vida outras vidas; abrir espaços para que as histórias dos excluídos e diferentes encontrem morada nas nossas entranhas, na nossa memória e no nosso coração.

O encontro com o diferente possibilita também o encontro consigo mesmo, ou seja, encontrar a própria verdade. Isso implica em se perguntar pela própria identidade, por aquilo que dá sentido à própria vida, o impulso por viver de uma maneira cristificada, conforme os valores do Reino.

Para que haja verdadeiro encontro com o outro, o deslocamento ex-põe quem se desloca, deixa-o vulnerável e “contaminado” pela realidade que encontrou. Quando alguém se desloca e se aproxima de realidades diferentes, é para encontrar, encontrar-se e aprender.

Como seguidores de Jesus, nosso desafio não é fugir da realidade, mas aproximarmos dela com todos os nossos sentidos bem abertos para olhar e contemplar, escutar e acolher, percebendo no mais profundo dela a presença ativa do Deus que nos ama com criatividade infinita, para encontrar-nos com Ele e trabalhar juntos por seu Reino. O mundo precisa de místicos santos que descubram onde está Deus criando algo novo, para proclamar esta boa notícia.

É aqui, neste mundo, que Deus nos chama a estender o seu Reinado, trabalhando cada dia como amigos de Jesus que passam, observam, curam, se compadecem, ajudam, transformam, multiplicam os es-forços humanos. Apaixonados por Deus, nos apaixonamos pelo mundo que, em sua diversidade, riqueza, simplicidade, profundidade, fragilidade, sabedoria… nos fala com novos traços do Deus que buscamos com desvelo. E amando e investigando tudo o que é do mundo, adoramos o Deus Santo que habita em tudo.

Nós cristãos honramos a santidade universal sem fronteiras de raça, de credo, de cultura…

Todos os santos e santas estão no coração do mundo pois são plenamente em Deus. Todos são santos, porque já vivem a Vida Eterna e dão alento ao coração do nosso tempo e do nosso mundo.

Santidade é dizer sim à vida. Experimentamos isso quando nos submergimos na vida, quando crescemos nela, buscando, saboreando até o final o que ela nos oferece em cada circunstância. Nunca alheios à vida, nada desprezando, nada lamentando. Esta concepção da Santidade des-vela um modo de viver que nos converte em irmãos das pessoas, da Criação e filhos de Deus.

A santidade não é um programa. É uma experiência de vida, um modo de estar no mundo a partir da confiança numa promessa. Enraizado na fé-confiança na pessoa e promessa de Jesus, o chamado à santidade propõe um estilo próprio de vida aberto e expansivo: uma maneira alegre, pacífica, compassiva, responsável e generosa de se fazer presente neste mundo onde são centrais o cuidado de todo o vivente e o trabalho em favor da justiça.

O chamado do Reino convida-nos a transformar o que, com frequência, é terra hostil ou deserto inóspito em um mundo mais humano e em um lar habitável.

Textos bíblicos: Mt 10,1-16; Mc 3,7-19; Lc 4,16-30; Mc 1,14-20; Lc 5,1-11

Na oração: Todas as narrativas acerca do chamado conservam a marca intencional de um encontro surpreendente, inesperado e expansivo: deixar a vida estreita do lago de Genezaré para entrar no vasto oceano de vida proposto por Jesus.

– Diante de Jesus, que “passa e chama” a todos, responda: como você vive, hoje, sua missão no trabalho, no seu ambiente, na sua comunidade? Que sentido você quer dar à sua própria vida?… em quê gastar suas forças, capa-cidades? Como viver, no seu cotidiano, sua vocação de discípulo-missionário?

– Renovar sua oblação em favor do Reino.