Retiro Santo Inácio – Um Homem, Um Santo. Dia 23
20 de julho de 2020

20 – Mística inaciana:

uma espiritualidade para tempos de globalização

E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos,

renovando a vossa mente…”

(Rom. 12,2)

Vivemos num momento histórico complexo e difícil, mas para nós muito desafiador e privilegiado.

O cenário no qual nos encontramos – a “composição vendo o lugar”, como diria Inácio – leva hoje o sinal da globalização. Nesta aldeia planetária, a mundialização de todas as esferas da atividade humana adquire dimensões nunca vistas. A queda dos muros, a supressão das barreiras econômicas e financeiras, os avanços da ciência e da tecnologia, as incríveis perspectivas abertas pela informação e a comunicação universal lançam-nos num universo prodigioso e desconhecido.

A globalização como tal não implica uma conotação negativa; pelo contrário, oferece imensas possibilidades para o desenvolvimento da humanidade. Mas quando não se respeitam os valores mais fundamentais da pessoa humana e dos povos – como ocorre no campo econômico com a absolutização do livre mercado –, a globalização torna-se verdadeiramente nefasta.

Conhecemos os efeitos das políticas neoliberais: concentração da riqueza, exclusão, aprofundamento do abismo entre ricos e pobres, absolutização do individualismo, competitividade desmedida, ausência de valores éticos.

O desafio não pode ser maior: como viver uma espiritualidade em tempos de globalização? que atitudes nos propõe a espiritualidade inaciana para que possamos influenciar na configuração da nova sociedade?

Precisamos voltar-nos às palavras de Jesus, que ora ao Pai por seus discípulos: “Não te peço que os tires do mundo, mas que os defendas do maligno” (Jo 17,15).

Ser cristão é sê-lo no mundo. O mundo da globalização é a realidade em que agora nos cabe transformar. Uma das intuições fundamentais de Inácio de Loyola foi a de que devemos nos inserir no mundo para encontrar a Deus. Não há separação para ele entre Deus e o mundo: Deus está presente no mundo e a missão consiste precisamente em conseguir que o mundo seja plenamente em Deus.

Inácio de Loyola foi marcado por esta profunda certeza: não existe, para o cristão, caminho para a autêntica busca de Deus que não passe por uma imersão no mundo da Criação.

Se o ser humano é o caminho para Deus, para Inácio o ponto de encontro do ser humano com Deus está no mundo.

Este princípio inaciano significa que o encontro do ser humano com Deus se dá no campo da cultura, das relações, do diálogo inter-religioso… enfim, uma espiritualidade enraizada na realidade do mundo. Num mundo configurado pela ciência e pela tecnologia, este é o cenário em que o cristão está chamado a encontrar-se com Deus, re-criando um novo tipo de humanismo de acordo com o nosso tempo

A espiritualidade inaciana tem determinada visão de Deus, do ser humano, do mundo e uma missão muito precisa. Essa visão e essa missão não são negociáveis. Elas são como nossa identidade, que nos distinguem dentro do oceano globalizador e diferenciam-nos dele.

Por sua identidade e sua prática diária, a espiritualidade inaciana impregna todo o nosso ser e o nosso agir dos critérios e valores do Evangelho. Ela nos ajuda a discernir o que vale do que não vale, a desmascarar, a avaliar e aceitar ou rechaçar o que em cada caso oferece ou impõe este mercado global que nos invade.

Num mundo em que a competência degenera em competitividade sem limites, e em que o individualismo e a falta de solidariedade criam novas fronteiras e exclusões, é preciso recuperar o discurso e a prática do “ser-para-os-outros”, o saber e o poder como serviço, a solidariedade, a compaixão, a partilha, o perdão, a gratuidade, o compromisso, o dom de si mesmo, o amor…

À luz da inspiração inaciana, trata-se de responder com imaginação e criatividade aos desafios que o mundo de hoje e esta sociedade concreta nos apresentam. Toda a pedagogia dos Exercícios é perpassada por um dinamismo que se funda num otimismo, amparado por sua vez por uma na obra do Criador, no trabalho em todo ser humano e em todas as coisas criadas.

Guiado por Inácio, o cristão descobre em meio às vicissitudes da história atual a ação do Espírito de Deus que renova a face da terra, conduzindo a Criação à plenitude de seu destino. Para ele, cada situação se apresenta como um “Kairós”, uma oportunidade e um apelo ao compromisso e à ação.

Textos bíblicos: Ef 4,17-24; Ef 5,8-20.