Retiro Santo Inácio – Um Homem, Um Santo. Dia 21
18 de julho de 2020

18 – Mística inaciana:

da experiência interior à encarnação na realidade

A espiritualidade inaciana trans-figura a sociedade des-figurada”

Na espiritualidade inaciana, quem experimenta o encontro com o Deus vivo e amoroso, começa a “ver” os homens e as mulheres no mundo como Deus mesmo os vê. Precisamente por ter-se encontrado com o Deus-Amor, a pessoa torna-se mais “encarnada” na realidade e mais comprometida com os irmãos e irmãs no mundo, sobretudo com os mais pobres, os mais sofridos e excluídos; é aquela que mais se compromete com a justiça e é a que mais desenvolve uma criatividade eficaz na história, com obras que nos surpreendem.

Se há um “hábito do coração” que S. Inácio trabalha de um modo particular nos Exercícios Espirituais é este: a “leitura orante da realidade”.

Este “hábito do coração” tem suas raízes na Contemplação da Encarnação, onde S. Inácio nos convoca a olhar o mundo e a humanidade como a Trindade olha.

Assim como a Encarnação do Filho foi determinada a partir de um “olhar” que saiu do coração de Deus, que pousou sobre o mundo e que voltou ao seu coração, estremecendo-O de compaixão e movendo-O à ação, assim também toda nossa atividade no mundo tem de ter sua origem num olhar misericordioso e compassivo, amoroso e esperançoso, libertador e comprometedor.

Façamos a redenção deste mundo em que vivemos e que temos sob o nosso olhar”: este foi o ideal que apaixonou Inácio. É aqui, neste mundo, que Deus chama a todos e a cada um de nós para estender o seu Reino, trabalhando cada dia como amigos de Jesus que passam, observam, curam, se compadecem, ajudam, transformam, multiplicam os esforços humanos…

A pessoa contemplativa, movida por um olhar novo, entra em comunhão com a realidade tal como ela é. É olhar o mundo como “sacramento de Deus”. Um olhar capaz de descobrir os sinais de esperança que existem no mundo; um olhar afetivo, marcado pela ternura, pela compaixão e por isso gerador de misericórdia; um olhar que compromete solidariamente.

Com espantosa audácia, S. Inácio nos apresenta um Deus contemplativo que olha e tem compaixão; um Deus comprometido com a vida e a salvação do gênero humano. Nesse sentido, contemplar o mundo a partir de Deus será um convite a encarnar-nos nele para transformá-lo.

A arte de olhar a humanidade à maneira de Inácio, é reflexo da bondade, benignidade, simpatia de Deus pelo ser humano. É daqui também onde brota o reconhecido humanismo como característica da espiritualidade inaciana: uma visão completa e amável do ser humano, de seus problemas e vicissitudes, uma sensibilidade para todo valor humano e um grande interesse em promover o ser humano enquanto tal, consciente de que isso forma parte da Redenção que se iniciou com a vinda do Verbo” (I. Iglesias).

Quem aprende a olhar como Deus, não se distancia do mundo, mas, movido por uma radical paixão, desce ao coração da realidade em que se encontra, aí se “encarna” e aí revela o rosto do Inefável.

O envolvimento com o “outro” (excluído, pobre, marginalizado…) dá um toque especial à nossa espiritualidade e a nossa espiritualidade faz nossa ação ser mais radical – mais enraizada em si mesma e vai até às raízes da injustiça e da exclusão.

Aproximar-se do “pobre e excluído” e deixar-se “afetar” pelo seu sofrimento torna-se a maior fonte de nossa espiritualidade. Em seus olhos “vemos o calor da atenção, o brilho da dignidade, o lampejo do humor, a faísca do protesto. Vemos também as lágrimas da tristeza, do medo e da insegurança, o sofrimento da rejeição, a escuridão do desespero”.

Suas “fraquezas” despertam em nós o melhor de nós mesmos e ao nos envolver afetivamente em sua vida fazem com que vivamos um misto de ternura e indignação a que chamamos de compaixão.

Na experiência de “convivência” com os pobres, adquirimos os valores evangélicos da capacidade de celebrar, da simplicidade, da hospitalidade, da partilha… Eles tem um jeito de nos trazer para o essencial da vida. Eles são uma fonte de esperança, uma fonte de autenticidade. Eles se tornam nossos amigos.

Nosso compromisso de seguir o Senhor pobre, naturalmente nos faz amigos dos pobres” (S. Inácio).

Textos bíblicos: Mt 5,1-12; Mc 6,30-44.

Na oração: Diante de Deus, verificar se em seu coração há lugar para uma sensibilidade social, um espírito solidário e um compromisso com os excluídos.