Retiro Santo Inácio – Um Homem, Um Santo. Dia 20
17 de julho de 2020

17 – Mestre Inácio, homem da Palavra

As palavras rompem sempre alguma coisa”

(M. Yourcenar)

Como os filólogos nos advertem, as palavras estão grávidas de significados existenciais. Nelas os seres humanos acumularam infindáveis experiências, positivas e negativas, experiências de busca, de encontro, de certeza, de perplexidades e de mergulho no Ser. Precisamos desentranhar das palavras sua riqueza escondida. Normalmente as palavras nascem dentro de um nicho de sentido originário e a partir daí se desdobram outras significações afins” (L. Boff).

O ser humano é um “corpo falante”. O “sopro de vida” passa pelo “sopro da palavra”.

A palavra é o sopro da vida no ser humano. Efetivamente, é sempre a nossa palavra que é o movimento e o sopro de nossa vida. Acontece com frequência que a palavra do outro ativa nosso interior e nos transmite emoções que sentimos em nós mesmos.

A experiência de oração é uma operação que restitui a vida, o movimento e o tempo no coração mesmo das palavras.

S. Inácio tinha fé e confiança na palavra como meio de encontro com o divino. Para ele as palavras desempenham um papel muito específico na experiência religiosa.

Apoiado em sua própria experiência ele escreve em seu Diário Espiritual:

Em cada palavra de nomear a Deus, Dominus, etc…, me penetrava tanto dentro, com um acatamento e humildade reverencial admiráveis, que parece não se poder explicar” (Diário, 164 – 17 março 1544).

Nesta confissão Inácio sublinha que para ele a palavra é como um ponto de partida para uma experiência mística que logo já não se deixa expressar em palavras.

A palavra tem um peso para Inácio. Pouco preocupado pelo “bem dizer”, mede sempre o que diz na presença de Deus. Escolhendo cuidadosamente suas palavras e com a “força” que as inspira, Inácio comunica a experiência de uma familiaridade com Deus, um Deus que irrompe em sua vida, transformando-o.

Ele se interessava mais pelo que a palavra lhe dizia na presença de Deus e o fruto espiritual que tirava daquela experiência que pela beleza da expressão.

Inácio não busca o linguajar belo, a palavra que adorna. O valor não literário do texto dos Exercícios prova como para ele a linguagem não é mais que instrumento e meio para o colóquio com Deus.

Muitos santos que, como S. Agostinho, eram artistas no dom de falar e escrever, não deixaram de expressar seu temor de se verem envolvidos no jogo do bem falar e assim perderem o encontro com Deus, cobrindo a experiência de Deus com belas palavras, sem realmente encontrá-Lo.

No entanto, S. Inácio considera a oração vocal como parte integrante dos Exercícios Espirituais

No momento culminante da oração, Inácio não propõe o silêncio ou a reflexão mental, mas um colóquio, “assim como um amigo fala a outro”. Um colóquio é uma conversação, um entreter-se familiar mediante a palavras. Deste modo, a oração, o colóquio, não será nunca um “palavreado” de si para si mesmo mas uma conversação interpessoal na qual duas liberdades selam uma aliança, uma liberdade que se expressa em palavras, uma liberdade que suscita uma comunhão de corações.

Num outro momento dos Exercícios, S. Inácio nos propõe como modo de orar, “contemplar a significação de cada palavra da oração” (EE. 249).

Trata-se de tomar uma palavra e saborear seu sentido, de gostar um termo todo o tempo que se sinta devoção. Nesse modo de orar se utiliza todo o mecanismo da palavra, as “significações, comparações, gostos e consolações (EE. 252), que dela se derivam.

Seguindo o texto inaciano há aqui todo um caminho a percorrer: a palavra de uma oração, o conteúdo a contemplar, o conteúdo que se abre a outras realidades com as quais está em sintonia, a capacidade de gostar e saborear, isto é, de encontrar gosto nesta harmonia de palavras que revelam o mistério de Deus.

Não sou em quem compõe o texto, senão que são palavras de fé que o Espírito inspirou e das quais me deixo comover escutando-as em atitude orante. É muito importante recordar que esta palavra não é já um termo do dicionário senão um instrumento de comunicação que Deus busca amorosamente com o orante e que este encontrou para conversar com seu Senhor.

Podemos qualificar todo este “modo de orar” como um encontro interior entre a Palavra e o coração. Se descobrimos o coração de Deus nas palavras de Deus, nosso olhar sobre o mundo, sobre nós mesmos e sobre nossa vida estará marcada por um aumento de fé e de esperança.

Dedica-te, te rogo, a meditar diariamente as palavras de teu Criador. Aprende a conhecer o coração de Deus nas palavras de Deus” (S. Gregório Magno).