Retiro Santo Inácio – Um Homem, Um Santo. Dia 15
12 de julho de 2020

14 – Inácio de Loyola, místico

A mística surpreende sempre e o primeiro surpreendido pela mística é o místico”

Quando afirmo que tive uma experiência imediata de Deus, não sinto a necessidade de apoiar esta afirmação em uma dissertação teológica sobre a essência de tal experiência, como tampouco pretendo falar de todos os fenômenos que a acompanham, os quais, evidentemente, apresentam também suas próprias peculiaridades históricas e individuais; não falo, portanto, das visões, símbolos e audições figurativas, nem do dom das lágrimas ou coisas semelhantes.

A única coisa que digo é que experimentei a Deus, ao indizível e insondável, ao silencioso e, contudo, próximo na tridimensionalidade de sua doação a mim.

Experimentei a Deus, também e sobretudo, muito além de toda imaginação plástica.

A Ele, que, quando por sua própria iniciativa se aproxima pela graça, não pode ser confundido com nenhuma outra coisa” (K. Rahner – Palavras de Inácio de Loyola a um jesuíta de hoje).

O ponto de partida da experiência mística de Inácio deu-se durante sua convalescença, na sua casa em Loyola, em meio a uma sucessão de pensamentos, após a leitura da “Vita Christi” e “Vida dos santos”.

Mas não reparava nisso, nem parava a ponderar esta diferença, até que uma vez se lhe abriram um pouco os olhos, e começou a maravilhar-se desta diversidade e refletir sobre ela” (Aut. 8).

Um fio e intenso raio de luz penetra e alumia, quase imperceptível, alguns rincões do aposento interior.

O Espírito não existe no ser humano até que este o descobre, subitamente, como o hospedeiro a um hóspede que chegou antes que ele à pousada.

São os primeiros passos, cambaleantes, vacilantes, a infância do espírito nascente, regozijo somente no tempo que dedica à oração, porque é oração o que por ele passa, é prece, é grito incerto, vibrante, desde o mais profundo, que se manifesta. Toda oração é, em si mesma, uma revelação.

Recebida não pouca luz desta lição…” (Aut. 9).

Uma nova paisagem, perspectivas novas, se abrem diante de seus olhos, os “olhos da alma” que até agora estava cega. E desejava intensamente a recuperação “para pôr-se a caminho”, para percorrer todos os seus rincões, para investigá-lo e conhecê-lo.

Um longo caminho o espera. É um caminho para dentro inaugurado nesse “maravilhar-se”, surpreender-se” e “colher por experiência” (Aut. 8) a diversidade dos espíritos; caminho que se adentra mais ainda na consolação que recebe ao contemplar o céu e as estrelas ou no desejo de fazer penitência; caminho que se faz percorrendo por sendas ainda desconhecidas, onde se abrem os olhos do entendimento “com ilustração tão grande que lhe pareciam novas todas as coisas”; caminho de generosa iluminação na qual lhe é dada “tanta afluência de conhecimento, visitação e gosto espiritual, com tantas lágrimas…”.

Ao consumar-se o processo místico na união com a Essência Divina, seus olhos se abrem de novo para fora e o mundo é percebido como uma “contemplação para alcançar amor”.

Inacianamente falando, “experiência de Deus” é a pessoa “ex-pôr-se” diante do Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, deixar-se “transbordar” e “surpreender” por Ele, de Quem provém toda iniciativa.

Caminhar é experimentar. Experimentar é criar, romper, arriscar. Experiência interiorizada que é a fonte humana de conhecimento mais rica e que é uma das expressões mais sensíveis da fé.

Experiência, conhecer por experiência, fazer experiência… A própria vida é uma grande experiência.

E cada experiência pode ser uma experiência de Deus.

De fato, a experiência é a sabedoria da vida. S. Inácio resume essa intuição numa frase: “encontrar Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus”.

Sua mística de caminho e de serviço se resume na mística de encontrar Deus em tudo e tudo em Deus.

Essa é a dimensão mística da vida que as experiências proporcionam: momentos de intimidade, de presença, de proximidade, de comunhão, de aliança… com Deus, no ritmo próprio da vida.

É precisamente este Deus, e não outro, que eu experimentei como o Deus que desce até nós, que se aproxima de nós, e em cujo fogo inconcebível não nos consumimos, mas adquirimos pela primeira vez o ser e a condição de eternidade.

O Deus inefável se revela a nós; e nesta afirmação de sua inefabilidade chegamos à existência, vivemos, somos amados e alcançamos validade eterna; se nos deixamos arrebatar por Ele, não somos aniquilados n’Ele e sim nos realizamos propriamente pela primeira vez. A criatura insignificante se torna infinitamente importante, indizivelmente grande e bela, ao receber de Deus o dom de Si mesmo” (K. Rahner, obra cit.).