Retiro Indo e Vindo: “Ser conduzido”
13 de julho de 2019

Viver a santidade: ser conduzido pela Ruah de Deus

 

“O Espírito Santo derrama a santidade, por toda a parte, no santo povo fiel de Deus, porque ‘aprouve a Deus salvar e santificar os homens, não individualmente, excluída qualquer ligação entre eles, mas constituindo-os em povo que O conhecesse na verdade e O servisse santamente’”. (Vat. II) Papa Francisco, Gaudete et Exsultate (GE), n. 6)

A revelação bíblica afirma que Deus é o Criador e Senhor, que envolve a criação com seu Amor dinâmico e criativo. É um Deus ativo, providente, fonte de vida, que realiza obras admiráveis e santas. Em sua Santidade gratuita, Ele vem ao nosso encontro e nos introduz no movimento de sua própria Vida. Somos seres agraciados. Viemos de Deus e voltamos para Deus. “N’Ele vivemos, nos movemos e existimos”.

Aqui nos encontramos como que no centro do mistério único, que é o mistério do Deus Criador e Providente, do Deus que “dá a Vida”, que cuida do universo, do Deus de quem tudo procede e para quem tudo retorna; em síntese, trata-se do mistério do Amor em excesso de Deus.

Os Exercícios Espirituais são uma experiência interior que integra todas as dimensões da pessoa: corpo, mente, afetos, coração… Trata-se de fazer um “percurso interior”, ultrapassando as fronteiras da superficialidade e da aparência. Com o tempo, vamos compreendendo que a meta mesma é o caminho, porque a vida, a trama, a história é escrita enquanto caminhamos. Sabemos que, nas “coisas” da interioridade, o importante é “deixar-nos conduzir”.

Fazer experiência de “ser conduzido” e acolher esse processo é um presente do Espírito, de nossa Ruah. Nossa vida, quase sempre rodeada de dificuldades de diferentes matizes, adquire uma dimensão expansiva se estiver firmemente enraizada na Santidade de Deus ou centrada na sabedoria do coração, como o bom vinho, na adega escura da própria interioridade.

Aos olhos do Deus Santo nada é mais perigoso para o espírito humano do que vidas satisfeitas, acomodadas, sem desejos, sem a afeição das esperas e o desassossego das buscas; corações quietos, indolentes, medrosos, covardes, petrificados, sensatamente contentes com aquilo que são e têm.

Como são, ao contrário, humanamente repletos de vida aqueles que ainda se encantam com as buscas, que sonham e lutam por um mundo novo. Suas vidas serão repletas de razões, criatividade, entusiasmo e vitalidade.

Uma das imagens bíblicas mais potentes, por sua simplicidade e ternura, e mais antigas é a de Deus comparado com uma águia que conduz seus filhotes sobre suas asas. Em diferentes textos a Palavra nos aproxima de uma imagem materna, a águia que conduz seus filhotes sobre suas penas e, para ensinar-lhes a voar desce, de vez em quando, para que eles exercitem todas as suas capacidades; no entanto, ela, a águia, voa vigilante, debaixo dos pequenos, como braços sempre abertos para acolhê-los e conduzi-los.

Fazer a experiência de um Deus assim permite assumir riscos, intempéries, fracassos aparentes, porque vivemos e sabemos que Ele nos conduz sobre as asas; e, quando nos sentimos cair, prontamente pisamos sobre as suaves penas da mãe águia, que de novo nos recolhe e nos conduz para onde somos convidados a ir, em seu nome.

Simples, precioso, mas maravilhosamente difícil. Muitos “aterrissam” de emergência quando sentem que estão “no ar”; outros já sabem que este é o momento de mais amor da parte da mãe-águia-Deus, é o momento em que, confiando plenamente em nossas capacidades, retira-se para que soltemos nossas asas e ativemos nosso potencial. Isso sim, só é possível o alçar voo quando sabemos que a mãe-águia continua planando debaixo de cada um de nós e que dará sua vida antes que nos deixar “no ar”.

Nesta atitude de “deixar-nos conduzir” é que entramos no fluxo da Santidade de Deus, nos atrevendo a planar sobre ela para mobilizar todas as possibilidades da nossa existência. Essa é a nossa essência: em Deus, somos todos santos.

O Deus Santo vem ao nosso encontro e, sobre suas asas, tira nossa vida dos limites estreitos e atrofiados, expandindo-a em direção a horizontes inspiradores de vida e compromisso.

É assim que a santidade está ao alcance de todos aqueles e aquelas que reconhecem sua própria finitude e desejam ser transformados pelo amor que é maior e os faz plenamente humanos. Ser santo não é para campeões de perfeição, mas para pecadores que se reconhecem como tais, mas se deixam conduzir pelas asas da Graça de Deus e pelo apelo que vem da alteridade desfigurada de todo aquele que sofre e necessita cuidado e atenção.

A experiência deste retiro nos convida a subir sobre a mãe-águia e, sobre suas asas, deixar-nos que nos leve a passear por nossa história e pelo nosso planeta. Olhemos, contemplemos, sintamos, observemos, deixemo-nos conduzir e descobriremos as paisagens interiores e panorâmicos que nunca descobriremos por nós mesmos. Descobriremos, sobretudo, que cada um de nós é um “santo dos Santos”, um sacrário da santidade de Deus. O “santo dos santos” é o coração mesmo de cada pessoa e a santidade de Deus se identifica com a vida de cada um.

Ser santo é ser dócil para “deixar-nos conduzir” pelos impulsos de Deus, por onde muitas vezes não sabemos e não entendemos. Seus caminhos não são os nossos caminhos.

Este “deixar-nos levar” pela mão providente de Deus é uma ousadia.

Na vida espiritual a liberdade tem que ser ousada, mas a maior ousadia é “deixar-se levar”.

“Deixar-se levar” é uma ousadia porque pressupõe a ação de Deus, um Deus que impulsiona e que impulsionará sem limites. É também uma ousadia porque a pessoa confia tranquila e descansadamente na força do Senhor que não falha. Ser santo é “arriscar-se” em Deus. É navegar no oceano da gratuidade, da compaixão, da solidariedade…

Para “entrar em Exercícios”, é preciso tornar-nos planadores de horizontes abertos, livres e desprendidos, deixando-nos conduzir pelas asas da Mãe Águia e experimentar um “novo êxodo” existencial.

No começo dos Exercícios, somos convidados a sair de nossa rotina, a abrir-nos para o novo, para o diferente, ultrapassando o “próprio amor, querer e interesse”. (EE. n. 189)

Entrar em Exercícios” é iniciar uma travessia, sem saber exatamente as surpresas que vamos encontrar, pois “o vento sopra onde quer”, como o Espírito.

“Fazer a travessia” exige mudança de atitude, pôr-nos a caminho, êxodo, sair de nós mesmos…

Sair dos lugares conhecidos, velhos, rotineiros… para encontrar o novo espaço da relação, dos sonhos…; lugar provocador de mudanças, de onde brotam as grandes experiências, as intuições, os ideais vitais…

Sentados sobre as asas do Deus-Águia podemos atingir experiências imprevistas e surpreendentes, ou reconhecer, através do murmúrio dos ventos, “vozes novas” que nos incitam a peregrinar para as regiões desconhecidas do nosso próprio interior. Só assim, poderemos vislumbrar o outro lado e tocar as raízes mais profundas que dão sentido e consistência ao nosso viver.