Retiro ‘Indo e Vindo’ – “Ousadia”
2 de dezembro de 2019

Tempo de ousadia: derrubar muros, romper fronteiras…

 

“Um peregrino percorria seu caminho quando certo dia passou diante de um homem que parecia ser um monge e que estava sentado no campo. Perto dali, outros homens trabalhavam em um edifício de pedra.

– “O senhor parece um monge” – disse o peregrino.

– “Sim, sou um monge” – respondeu o monge.

– “Quem são aqueles que estão trabalhando na abadia?”

– “Meus monges” – respondeu – “Eu sou o abade”.

– “É magnífico” – comentou o peregrino – “É estupendo ver levantar um mosteiro”.

– “Nós o estamos derrubando” – disse o abade.

– “Derrubando-o?” – exclamou o peregrino – “Por quê?”

– “Para poder ver o sol nascer todas as manhãs” – respondeu o abade”.

 

A mudança de mente, de coração, de esperança, de paradigmas… exige de nós que, de tempos em tempos, revisemos todas as pseudo-certezas de nossas vidas, conservando umas coisas, alterando outras e derrubando aquelas ideias fixas, esquemas, convicções absolutas, modos fechados de viver… que foram elementos importantes em tempos passados e que agora impedem a entrada do sol e da brisa da manhã.

Há em todo ser humano uma tendência a cercar-se de muros, a encastelar-se, a criar uma rede de proteção.

Nada mais contrário ao “mais” que a vida instalada e de alguma maneira acomodada, que consistiria na pura repetição mecânica dos mesmos gestos, das mesmas ações…

Também se opõe ao dinamismo do “mais” uma existência estabilizada de uma vez para sempre, tendo pontos de referência fixos, definitivos, tranquilizadores…

Numa vida assim faltaria por completo o princípio da novidade, da criatividade, a capacidade de questionar-se e de uma orientação nova, a audácia de arriscar, de fazer caminhos ainda não percorridos ou abertos à aventura e às surpresas.

Se queremos que a nossa vida cristã volte de novo a ser ela mesma, é necessário compreender que somos chamados a um compromisso diferente e inclusive mais profundo que o anterior: sair da reclusão de nosso mundo para entrar na grande “casa” de Deus; romper com o tradicional para acolhera surpresa; deixar a “margem conhecida” para vislumbrar o “outro lado”; afastar a “pedra” da entrada do coração para poder viver com mais criatividade…

As respostas do passado às questões atuais já não satisfazem; as velhas razões para fazer coisas novas, simplesmente já não movem os corações num mundo repleto de novos desafios.

Não há razão para permanecer nos castelos e mosteiros quando todas as circunstâncias mudaram. É muito tarde para reconstruir nossas vidas utilizando moldes antigos. Estamos vivendo um tempo de mudança, mas também tempo emocionante e santo.

Há um poderoso fogo sob as cinzas. Precisamos avivar a chama, acolhendo o momento presente e vivendo-o até suas últimas consequências. “Este é o tempo de graça, o tempo de salvação”.

Se não se pode acrescentar carvão ao fogo, então é necessário enterrar as brasas, levá-las a novos lugares para que possam arder de novo. Acrescentar carvão ou proteger as brasas são diferentes partes do mesmo processo chamado “vida em Deus”, crescimento no compromisso, na espiritualidade, na santidade: em sabedoria, ousadia, idade e graça.

Vivemos um momento de densidade única; participamos de uma sociedade rica pela diversidade e pelo pluralismo. No entanto, não teremos nada que oferecer a esta sociedade se não nos deixamos “empapar” da fidelidade ao carisma inaciano. Não para repeti-lo mecanicamente, mas para recriá-lo aqui e agora ao serviço da Igreja e do mundo.

A fidelidade ao carisma inaciano nos impulsiona a “inventar” constantemente, a “ousar” sem medo, a “deslocar-nos” sem cessar, porque há sempre mais serviço a realizar.

A experiência de S. Inácio não é para nós a de um fundador que constrói sua casa sobre bases estáveis e permanentes, senão a de um animador, um inspirador que nos põe a caminho, que nos impulsiona a “passar para a outra margem”, na busca de um “novo começo”, de uma “fidelidade criativa”.

“Fazer estrada” na escola de Inácio é ser ousado como ele; ser seu discípulo é colocar-se num horizonte diferente: é o horizonte da ação valorosa e discernida, da criatividade, do sonho do Reino…

Invadido por uma paixão que não nos dá repouso, estaremos presentes em tudo, fazendo uma “leitura” dos sinais dos tempos e buscando inspiração para mudanças ousadas e criativas.