Retiro Inacianidade. Dia 7
7 de agosto de 2020

6 – Espiritualidade do encantamento

Ao ver uma planta, uma pequena erva, uma flor, uma fruta,

um pequeno verme ou qualquer outro animal,

S. Inácio contemplava e levantava os olhos aos céus,

penetrando no mais interior e no mais remoto dos sentidos”

(P. Ribadeneira).

Para a pessoa que passou pela experiência dos Exercícios, cada criatura torna-se uma irradiação de Deus, um lampejo do Absoluto, um recipiente onde se conservam gotas de transcendência.

Cada vida, seja animal ou vegetal, é um cenário de manifestação de Deus.

As criaturas são o “habitat” de Deus.

Tudo fala de Deus, tudo manifesta e revela o seu Amor. Tudo pode ser lugar de encontro com Deus; tudo é “sacramento” de Deus (Deus nos fala a linguagem das coisas, dos acontecimentos, das pessoas, das alegrias, da festa…).

Tudo pode causar “admiração e encantamento”. Como não se extasiar diante da majestade da Criação?

Para S. Inácio, tudo está “amorizado”, ou seja, cheio de Amor, tudo está “cristificado” e cheio de sentido. O cosmos abria para ele um espaço de “totalidade”, onde a graça de Deus, depois de consolá-lo, enchia sua existência de um desejo sempre maior de servir a Deus e ao próximo.

A maior consolação que descobrira então era contemplar o céu e as estrelas. Fazia-o muitas vezes e por muito tempo, porque com isto sentia em si um muito grande esforço para servir a Nosso Senhor” (Aut. no. 11).

S. Inácio vê uma bondade intrínseca em todas as manifestações do mundo visível. Para ele, não existe um dualismo entre homem e natureza, pois tudo é pensado e sentido globalmente a partir de Deus.

A originalidade de S. Inácio está em “olhar” a Criação a partir de Deus, “com os olhos do Amor”. A partir de Deus, o ser humano encontra seu lugar e sua relação com a natureza. Respeitando a singularidade de cada criatura e de seu estado vegetativo, sensitivo e racional, a beleza de Deus se faz presença, se visibiliza…

A beleza de Deus se difunde, se manifesta. E ao contemplar o esplendor da Beleza de Deus revelada na Criação, a pessoa se sente seduzida, fascinada, se faz amorosa… A Criação nos fascina como o sol; nos atrai poderosamente e nos enche de entusiasmo. Esta experiência evoca um sentimento profundo de veneração, de encantamento, de reverência e respeito. O olhar contemplativo sobre a realidade, ativa em nós o assombro, a admiração, o espanto. Diante da sacralidade da vida e do ser humano, diante das maravilhas do universo, o assombro é a única atitude condigna.

As criaturas existem e são sustentadas pela força onipotente de Deus.

Ele continua “trabalhando”, re-criando, fazendo tudo novo. O mundo inteiro é um enorme sacramento do Amor. O universo se transforma num sacramento, num lugar e num espaço de manifestação da “divina presença”; todas as coisas são por excelência a revelação do sagrado.

Ter fé é encarar de frente o “mistério”, e se encantar com ele…

A fé é um encantamento e um mergulho confiante no infinito Amor de Deus, que aos poucos se manifesta a quem decide acolhê-lo com amor.

E esta manifestação se realiza nas coisas simples da vida. Fé e encantamento andam sempre juntas.

É poeticamente que o ser humano habita a terra” (F. Holderlin)

Sim, habitamos poeticamente a terra em cada momento; sentimos, estremecemos, vibramos, nos enternecemos, ficamos encantados com a Criação e sua insondável vitalidade e beleza.

Aqui o ser humano se descobre reconciliado com o universo que o cerca: “exclamação de admiração com intenso afeto, discorrendo por todas as criaturas…” (EE. 60).

A contemplação não pode ser compreendida de maneira passiva ou romântica, mas, ao contrário, ativa e interpelativa. É uma contemplação em que o belo, o fascinante e o diferente cativam os olhos, enchem a nossa interioridade de louvor e admiração.

Contemplação é descobrir Deus em tudo. É sentir-se sempre em Deus.

Contemplação é amar a Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus.

É sentir-se amado por Deus em todas as coisas e amar a Deus em todas elas.

Textos bíblicos: Heb 11,1-40; Lc 12,22-32; Sab 7,15-30; Eclo 18,1-14; Prov 8,22-36.

Na oração:

– entoar um hino de louvor e gratidão a Deus pelos benefícios recebidos por meio da Criação; considere que toda a Criação saiu das mãos do Criador como presente especial e gratuito para você;

– ter presente na memória que fomos criados para viver em relação de amor com tudo e com todos.