Retiro Inacianidade. Dia 4
4 de agosto de 2020

4 – Caminho:

uma chave de compreensão da espiritualidade inaciana

Conhece-se a Deus pelos pés”

(Carlos Mesters)

Os Exercícios Espirituais são o fruto de um caminho de fé vivido por S. Inácio. Para ele, o caminho não é só o trajeto de uma pessoa para Deus, mas também o trajeto de Deus em sua aproximação à pessoa.

A realidade está dominada por um Deus que também empreendeu um caminho para o ser humano.

O ser peregrino por parte da pessoa corresponde ao ser peregrino por parte de Deus.

O caminho se converte, então, em caminho para um encontro mútuo, um encontro de dois peregrinos.

Tanto nos Exercícios como nas outras fontes inacianas, descobre-se que S. Inácio recorre com frequência à linguagem metafórica do caminho para descrever a mobilidade, o dinamismo do encontro pessoa-Graça. De fato, a Graça, longe de ser vista como algo estático, é apresentada como “um poder vivo, que desperta no homem um movimento. Não é um dom puramente ocasional, mas um acontecimento contínuo” (Kraus).

Deus é o que move” (carta de S. Inácio a Alexio Fontana, 8-10-1555). Tal afirmação é a síntese não tanto do que é a Graça para S. Inácio, quanto de sua manifestação mais patente no acontecimento de seu encontro com o ser humano. A aceitação da Graça, equivale, então, à incorporação a uma caminhada.

À ação da Graça associa-se o desejo da pessoa. Na união de ambos está a condição de possibilidade por meio da qual a pessoa acaba constituindo-se em caminhante.

Para o povo que caminha no deserto, é essencial conhecer direções e entender ventos. E para o coração que peregrina no deserto da vida, é essencial conhecer os caminhos do Espírito e os ventos da Graça.

Esta é a grandeza do ser humano: ser um caminhante que, de acampamento em acampamento, não cessa de passar da servidão à terra da liberdade.

O encontro pessoa-Graça, em Inácio, é “ex-cêntrico”.

Os Exercícios conduzem efetivamente a um des-centramento, deslocando a pessoa e colocando-a num movimento para fora.

Não podemos esquecer aqui o princípio inaciano de que “cada um deve persuadir-se que na vida espiritual tanto mais aproveitará quanto mais sair do seu próprio amor, querer e interesse” (EE. 189). Em cada exercitante brilha uma luz que aponta para a fonte e conduz para a meta que o faz peregrinar. Os Exercícios não ensinam chegadas, só partidas. Esse é o desafio: “entrar” no caminho de Deus é viver em terra de andanças. E a pessoa, impelida e atraída pela mão divina, há de evoluir numa peregrinação sem fim.

Em nossas entranhas, fomos feitos com “fome de estrada”. Nascemos com essa inquietude: nossa vida é uma longa jornada. “Temos fome e sede de estrada, e ela está ardendo por dentro”.

Guimarães Rosa dizia que a coisa não estava nem na partida e nem na chegada, mas na travessia. A vida é uma travessia. Os convites de Deus são absolutos e constantes. Se estamos apegados ao que temos, jamais seremos capazes de “fazer estrada com Deus” e participar da preciosa vida que Ele nos oferece.

Não tenho caminho novo. O que tenho de novo é o jeito de caminhar” (Thiago de Mello).

S. Inácio vê o exercitante em direção, em tensão-para, diante da inevitável pergunta: “que mais nos conduz para o fim que somos criados?”

A resposta a esta pergunta não se limita a um instante, senão que se prolonga sem fim num “somente desejando e elegendo”, num confronto contínuo com “moções” e com “espíritos”. O desafio de resituar-se continuamente diante de seu fim transcendente representa para a pessoa um “pôr-se em marcha”.

Ela tem de aventurar-se, abrir-se “à Vontade divina na disposição de sua vida para a sua salvação” (EE. 1).

Se há algum significado na vida, ele se encontra no caminho, entre o aqui e algum outro lugar.

Pioneiras são as pessoas que vão a lugares em que ninguém esteve antes: “gente de fronteira”.

Peregrino, peregrino, que não sabes o caminho: aonde vais? Sou peregrino de hoje, não me importa onde vou; amanhã? Nunca talvez. Admirável peregrino, todos seguem teu caminho” (Manuel Machado).

Jesus Cristo é o modelo de toda peregrinação; com sua peregrinação Ele abre possibilidades de outros caminhos. O Rei Eterno convoca a um seguimento que não está desligado de seu próprio caminho.

Jesus, o homem dos Caminhos, chama na vida e para a vida e põe as pessoas em movimento.

Faz-se do chamado um caminho, quando se partilha a vida com quem chamou. Responder ao chamado feito por Jesus significa tornar esse chamado um caminho de entrega e de serviço.

Textos bíblicos: 2Sam 7,1-17; Ex 33,7-23; Heb 11,8-16; Mc 10,46-52; Gen 12,1-20.

Na oração: Rezar a bagagem de sua vida; contemple as experiências positivas e enriquecedoras em sua bagagem. Faça memória das maravilhas que o Senhor realizou em você, na estrada da vida.