Retiro Inacianidade. Dia 30
31 de agosto de 2020

29 – Opção pelos pobres e contra a pobreza

O Amor que “desce do alto” pelos pobres.

O Amor que “desce do alto” para todos os pobres.

O Amor que “desce do alto” contra toda pobreza.

Para S. Inácio, ninguém que pretenda ordenar seriamente a sua vida, pode sair dos Exercícios sem ter colocado o rumo da sua existência no horizonte referencial dos pobres. Isto significa, concretamente, “sair de si”, revestir-se de Cristo, pobre e humilde, por amor à humanidade. A preocupação primeira dos Exercícios é a conversão do coração ao “Amor que desce do alto”, sem a qual toda atividade social, mesmo a mais generosa se esvaziaria, por não ter como fim o ser humano integral. S. Inácio revela nos Exercícios que, para o exercitante, a busca de Deus não é autêntica se não passa pelo compromisso amoroso no mundo dos pobres, e que, reciprocamente, não há compromisso perfeito pelo ser humano, e de modo particular pelo pobre, que não seja fruto de uma descoberta do Amor de Deus, que “desce do alto”.

Nas “Regras para distribuir esmolas” (EE. 337-344), S. Inácio enraíza o amor concreto aos pobres no “alto”, em Deus: “… aquele amor que me move e me faz dar a esmola desça do alto, do amor de Deus Nosso Senhor…” (EE. 338). O amor preferencial pelos pobres é divino, antes de ser humano. E o ser humano só pode assumi-lo como seu, seja porque antes o contemplou na prática salvadora e amorosa do próprio Jesus, seja porque este amor foi por Deus colocado no mais profundo do seu coração.

A grande intuição de Inácio é que o amor preferencial pelos pobres, não é meramente um amor de amizade (filia), ou uma solidariedade humana, mas é o amor de doação, gratuito, isto é, o amor ágape. É o ágape de Deus que se encarna em nossa capacidade de doação e de perdão.

O esforço dos Exercícios de “tirar de si todas as afeições desordenadas” tem como meta permitir que o ágape de Deus se apodere de nossa capacidade de amar. “O ser humano não ama verdadeiramente a seu irmão a não ser que ame com o amor d’Aquele que nos amou primeiro (1Jo 4,19-21). A opção pelos pobres e pela pobreza, é, portanto, uma opção de Amor”.

Há aqui outra característica do ágape de Deus: no dom ao outro, ressoa o dom de Sua vida”.

É aí onde Inácio multiplica, nos Exercícios, as expressões “humilde”, “humildade”, “humilhação”…

A humildade inaciana é a maneira divina de amar: o Amor de Deus, revelado em Cristo, consiste em oferecer-se humildemente aos pobres para que eles vivam.

O amor preferencial pelos pobres passará, através de inevitáveis humilhações, a um amor que rechaça todo e qualquer dominação, toda violência, toda ganância… de uma sociedade consumista.

O amor preferencial pelos pobres, tal como aparece nos Exercícios não é, portanto, algo ideológico, filantrópico ou político-partidário. É sim, algo que se configura na pobreza e humilhação concretas para encontrar-se com o Cristo pobre e humilde. Nos Exercícios, Jesus Cristo é o pobre e o servidor por excelência, Aquele que, a partir de sua condição divina, se encarna, se esvazia. É esse Cristo pobre a única via de acesso ao mistério glorioso do Amor de Deus.

A pobreza, nos Exercícios, toma agradavelmente o aspecto da gratuidade, que se opõe à avareza.

A gratuidade significa a mudança radical da sociedade humana, que somente o “amor que desce do alto pode criar”. A nossa ação, que é uma resposta à interpelação do rosto do pobre, nasce da absoluta gratuidade de Deus e é chamada a manifestar esta gratuidade. Somos chamados a testemunhar que se pode ser feliz vivendo uma cultura da gratuidade, uma cultura da moderação, que possibilite uma divisão dos bens mais igualitária e justa para todos e que favoreça melhores condições de realização humana.

Os Exercícios, escola de liberdade cristã, dão ao amor preferencial pelos pobres, por todos os pobres, a verdadeira dimensão cristã: a resposta livre ao amor pelos pobres que Deus, desde o alto, revela em Cristo pobre, rico em Espírito.

O encontro com o “outro”, pobre e marginalizado, dá um toque especial à nossa espiritualidade e nossa espiritualidade faz nossa ação ser mais radical – mais enraizada em si mesmo e mais fundo nas raízes da injustiça. Aproximar-se do “pobre” e deixar-se “afetar” pelo seu sofrimento, torna-se a maior fonte de nossa espiritualidade. Suas fraquezas suscitam em nós o melhor de nós mesmos e ao nos envolver afetivamente em sua vida fazem que vivamos um misto de ternura e indignação, a que chamamos compaixão.

Na experiência de “convivência” com os pobres adquirimos os valores evangélicos da capacidade de celebrar, da simplicidade, da hospitalidade… Eles têm um jeito de nos trazer de volta para o essencial da vida. Eles são uma fonte de esperança, uma fonte de autenticidade. Eles se tornam nossos amigos.

Nosso compromisso de seguir o Senhor pobre, naturalmente nos faz amigos dos pobres” (S. Inácio).

Textos bíblicos: 2Cor 8,7-15; Mc 12,41-44; Mt 19,16-30; Mt 10,1-16; Mc 6,30-44.