Retiro Inacianidade. Dia 29
29 de agosto de 2020

28 – Espiritualidade inaciana: fonte de solidariedade

A amizade com os pobres nos faz amigos do Rei Eterno”

(S. Inácio)

Começamos citando uma experiência da vida de S. Inácio, uma experiência na qual ele escuta o chamado do sofrimento alheio.

Depois de Manresa, considerado como lugar e momento decisivo de sua experiência de Deus, S. Inácio toma o caminho para Jerusalém e embarca em Barcelona, em direção à Itália. Acontece, então, um fato que o próprio Inácio nos conta no número 38 da Autobiografia:

Dos que vinham no navio, ajuntaram-se em sua companhia uma mãe, sua filha vestida com roupas de rapaz, e um outro moço. Estes o seguiam, porque também mendigavam.

Chegados a um casario, encontraram um grande fogo e muitos soldados junto dele. Estes lhes deram de comer e muito vinho, parecendo terem intenção de embebedá-los. Depois os separaram, colocando a mãe e a filha num quarto em cima, e o peregrino com o moço no estábulo. Mas, quando chegou a meia-noite, ouviu que lá em cima se erguiam grandes gritos. Levantando-se para ver o que era, encontrou a mãe e a filha embaixo no pátio, muito chorosas, lamentando-se de as quererem forçar.

Veio-lhe com isto um ímpeto tão grande, que se pôs a gritar, dizendo: ‘Isto se há de sofrer?’ e semelhantes queixas. Dizia-as com tanta eficácia, que todos os da casa ficaram espantados, sem que ninguém lhe fizesse mal algum. O moço fugira e todos os três começaram a caminhar assim de noite”.

Este fato da vida de Inácio tem um profundo significado. Ele escuta os gritos de sofrimento de duas indefesas mulheres. Ao ouvir esses gritos, levanta-se de imediato, sem considerar outras circunstâncias (nem seu cansaço, nem sua inferioridade…) e atua sem temor, com ímpeto e, como ele mesmo diz, com eficácia.

Inácio acabara de fazer sua grande experiência “mística” em Manresa; e por sua forma de reagir e atuar descobrimos que esta experiência lhe fez especialmente sensível e ativo diante dos sofrimentos dos outros e o leva a intervir decididamente em favor dos mais fracos, sem pensar muito nas consequências.

Essa experiência inaciana nos sugere algo que é de uma importância decisiva. Ou seja, que na experiência autêntica de Deus, encontramos o impulso mais forte, mais decisivo, mais libertador para responder, sem ambiguidades, ao chamado dos excluídos.

É precisamente a força da experiência de Deus a que nos dá a capacidade de vencer todas as resistências internas e externas que nos aconselhariam fazer “ouvidos surdos” aos gritos daqueles que sofrem.

Ante o clamor da angústia, como não sentir compaixão e solidariedade para com os “perdedores” da história? A necessidade de olhar o excluído e de sentir sua exclusão como uma interpelação e um chamado, não é para nós moda nem sectarismo, mas o núcleo mesmo de nossa experiência espiritual tal como aparece nos Exercícios Espirituais e tal como S. Inácio a viveu. Nos Exercícios Espirituais se encontra um inerente potencial, fonte de inspiração para o ministério da justiça.

Nos Exercícios Espirituais se encontra uma relação entre o impulso espiritual de seguir o Senhor e a ajuda aos pobres. É claro que o ‘amor preferencial pelos pobres’ está contido nos Exercícios. S. Inácio confessa nos Exercícios que para o homem a busca de Deus não é autêntica se não passa pelo cuidado amoroso pelo mundo dos pobres, e que, reciprocamente, não existe perfeito cuidado do homem e de modo particular do homem pobre, que não seja fruto de um descobrimento do amor de Deus que vem do alto” (P. Kolvenbach).

A experiência de S. Inácio desperta em nós a compaixão para com o outro que é excluído, marginalizado, pobre… Somos chamados a viver a solidariedade como um estilo de vida, fundado no modo de viver de Jesus.

A solidariedade significa encontrar-se com o “mundo do sofrimento, da injustiça, da fome… e não ficar indiferente”.

A solidariedade que nasce da compaixão leva a reconhecer no outro (sobretudo o outro que é excluído) uma dignidade e uma capacidade criativa de superar sua situação.

Isto pede de nós uma atitude de abertura ao outro, o que implica colocar-se em seu lugar, deixar-se questionar e desinstalar por ele… Importa, pois, re-descobrir com urgência a solidariedade como valor ético e como atitude permanente de vida… não uma solidariedade ocasional, mas uma solidariedade cotidiana que se encarna nos pequenos gestos de serviço no dia-a-dia.

Textos bíblicos: Lc 16,19-31; Mc 6,30-44; Mc 1,40-45; Mc 10,46-52; Mc 7,24-30.