Retiro Inacianidade. Dia 22
22 de agosto de 2020

21 – Inacianos: homens e mulheres do mundo

A espiritualidade transfigura a sociedade desfigurada”

S. Inácio não se afastou do mundo para encontrar a Deus; ele fez a “experiência” do Deus agindo no mundo; aí O encontra e caminha com Ele. O mundo não é só o “habitat” do seu apostolado: é sobretudo a fonte da sua espiritualidade, o lugar certo para encontrar a Deus e o seu chamado. Da experiência de “amar a Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus”, nasce uma espiritualidade radicalmente “mundana”, de contemplação do mundo e de ação no mundo.

Se há um hábito do coração que S. Inácio trabalha de um modo particular nos Exercícios Espirituais é este: a leitura orante da realidade.

Essa leitura “misteriosa” do mundo nos faz perceber que tudo surge de um Amor, tudo está habitado por esse Amor, tudo está “amorizado”, tudo vem de Deus e tudo volta para Ele.

Dessa experiência nasce a famosa expressão: “ver Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus”.

Este hábito do coração funda suas raízes no convite que S. Inácio nos faz na Contemplação da Encarnação, onde nos propõe olhar o mundo, o devir histórico, a natureza, a humanidade e a nós mesmos, como a Trindade nos olha. Quem vê o mundo assim, com um olhar singular e universal, amoroso e esperançoso, libertador e integrador, torna-se “contemplativo na ação”.

Assim como a Encarnação do Verbo foi determinada a partir de um “olhar” que saiu do coração de Deus, que pousou sobre o mundo e que voltou ao seu coração, estremecendo-O de compaixão e movendo-O à ação, assim toda nossa atividade no mundo tem de ter sua origem num olhar misericordioso e compassivo.

Façamos a redenção deste mundo em que vivemos e que temos sob o nosso olhar”, permanecendo inseridos nele com Jesus. Este foi o ideal que apaixonou Inácio.

Pondo-nos na escola de Inácio, é aqui, neste mundo, que Deus nos chama a estender o seu Reino, trabalhando cada dia como amigos de Jesus que passam, observam, curam, se compadecem, ajudam, transformam, multiplicam os esforços humanos.

A pessoa contemplativa, movida por um olhar novo, entra em comunhão com a realidade tal como ela é.

É olhar o mundo como “sacramento de Deus”. Um olhar capaz de descobrir os sinais de esperança que existem no mundo; um olhar afetivo, marcado pela ternura, compassivo e por isso gerador de misericórdia; olhar que compromete solidariamente.

Mundo: nossa missão apostólica faz do mundo em que vivemos um lugar “diáfano”, um mundo transparente, santo e luminoso com Deus. S. Inácio nos ajuda a descobrir na realidade do mundo e da história os “sinais dos tempos” e a intervenção salvífica de Deus através desses sinais.

Espiritualidade suave e atraente: saber admirar e encantar-se com a divina prodigalidade que, na alegria de viver, nos ensina a pôr os olhos na beleza, no valor das coisas, do mundo, dos outros…

Na espiritualidade inaciana, o mundo já não é percebido como ameaça ou como objeto de conquista, mas como dom pelo qual Deus nos faz participar d’Ele mesmo. O mundo não é o lugar da devoração e da mútua depredação, mas é o lugar da receptividade e da oferenda.

O eu descentrado pelos Exercícios não é o eu que se experimenta separado dos outros e do mundo, mas em profunda e plena comunhão com tudo, porque tudo é “diafania” de Deus. Esta diafania, esta transparência de Deus em todas as coisas criadas é a que deslumbrou e desconcertou Inácio.

S. Inácio funda sua convicção nesta visão, nesta mística da presença de Deus em sua obra, na contemplação “dia-fânica”, ou simplesmente “teo-fânica”, de um mundo chamado a re-converter-se em justo e belo, verdadeiro e pacífico, unido e reconciliado, entranhado em Deus, como no primeiro dia da Criação.

A experiência que S. Inácio teve de Deus e do mundo às margens do rio Cardoner é um “conhecimento” que abre à mais límpida percepção da realidade, dinamizando e unificando as suas forças internas para melhor colaborar na transformação do mundo.

Textos bíblicos: Jo 3,11-21; 1Jo 4,7-17; Mt 5,13-16; Mc 16,14-20; Rom 8,29-39.

Na oração: O olhar é divino. Nele cabe tudo: mares, galáxias, pessoas…

O sábio é um adulto com olhos de criança; para ela tudo é fantástico, espantoso, mágico…

Coração e olhos espreitam na mesma direção. Olhar livre, límpido, simples.

As coisas, as pessoas mudam por completo quando as olhamos carinhosamente.