Retiro Inacianidade. Dia 18
18 de agosto de 2020

17 – Uma espiritualidade de discernimento

Para quem não sabe onde quer chegar, todos os caminhos estão errados”.

A grande descoberta do leigo Inácio foi a de perceber que dentro de si mesmo existiam forças ou vetores que exerciam forte atração em sua vida. Umas atraíam para Deus, outras afastavam-no: algumas vezes de maneira clara, outras de maneira mais obscura.

Inácio leigo é o grande mestre de psicologia e de espiritualidade, que se forma na pura e profunda observação pessoal nos momentos críticos da vida; ela estava à beira da morte, como conseqüência da ferida recebida por uma bala de canhão. Essa crise o faz reagir de maneira original.

Aqui lateja um traço importante da inacianidade e no qual desempenha um papel importantíssimo aquilo que S. Inácio denominava “subyecto” – a decisão, o ânimo para coisas grandes, o caráter, a aptidão, a idoneidade. Esse subyecto é gerado a partir de qualidades, mas sobretudo de experiências que fazem mergulhar no humano e no divino que há dentro de cada um de nós.

O inaciano é a pessoa que é apaixonada, como o próprio Jesus, pela Vontade de Deus.

A Vontade do Pai tem a ver com o Reino e o que isso realmente significa: um projeto do Deus Pai-Mãe para com a humanidade, que implica justiça, dignidade, direitos, respeito à terra…

Mas isso exige um diálogo constante com Deus e com a humanidade; daí a importância também do discernimento comunitário na promoção do Reino.

O inaciano é a pessoa que tomou a sério sua vida; é a pessoa que aprendeu a dar nomes aos acontecimentos internos para compreendê-los e fazer opções coerentes.

Não há possibilidade de uma pessoa inaciana verdadeira que se desconheça em sua profundidade.

Discernir vem a ser algo co-natural para quem vive a inacianidade, mas para isso deve conhecer-se e aprender a se manejar em sua própria humanidade.

Neste esforço de introspecção vai poder detectar aquilo que S. Inácio acaricia tanto: os desejos, que são as forças que emanam do melhor de nós mesmos com a possibilidade de se encaixarem perfeitamente com os desejos de Deus, os umbrais do Reino. Para isso será necessário saber distinguir os desejos de superfície dos “santos desejos” (Aut. 10). Como o próprio Inácio aprendeu:

… até que uma vez se lhe abriram um pouco os olhos, e começou a maravilhar-se desta diversidade e refletir sobre ela. Colheu, então, por experiência, que de uns pensamentos ficava triste e de outros alegre. Assim veio pouco a pouco a conhecer a diversidade dos espíritos que o moviam…” (Aut. 8).

A pessoa inaciana conhece e sabe manejar as regras do discernimento porque as praticou durante os Exercícios, em sua oração habitual e em seu exame diário.

Com estas regras ela vai detectando, em primeiro lugar, o que de verdade experimenta, mas, sobretudo, o “para onde a levam” essas vivências; vivências essas que podem acontecer dentro do coração mas também no mundo exterior, na história.

Critérios de discernimento reto:

– Se algo que experimentamos – dentro ou fora de nós mesmos – nos leva às obras de justiça solidária: Mt 25,31-46;

– Se nos conduz à experiência de um Deus pura misericórdia e que nos convida a ser misericordiosos: Lc 6,36-38;

– Se por estas duas coisas o mundo não nos compreende ou nos persegue – às vezes com o risco de vida – e sentimos, no entanto, forças para enfrentá-lo: Mc 8,34-38.

A pessoa inaciana é aquela que compreendeu, por experiência própria, a necessidade de aprender a historizar as moções, e por outra parte de impedir que as artimanhas tomem corpo e realidade;

. é aquela que entendeu que discernir é optar, que tudo o que se manifesta em seu interior ou no exterior, se vem de Deus, são impulsos e convites para que o Reino vá se realizando; ela faz do discernimento uma atitude vital que lhe permite discernir “no calor”, ou seja, no momento mesmo que estão acontecendo as coisas, justamente porque se fez uma pessoa contemplativa na ação, e na ação do Reino;

. compreendeu e sabe empregar as “regras para de algum modo sentir e conhecer as várias moções que são causadas na pessoa” (EE. 313); ela sabe que toda moção (interna ou externa) tem como objetivo fazer possível o Reino;

. por isso sabe da necessidade do confronto com alguma pessoa sobre a idoneidade e adequação daquilo que pensa ou experimenta; quanto mais envergadura tenha uma moção e maior seja sua transcendência político-social, mais necessidade terá de confronto com alguém e de confirmação com o Senhor.

Textos bíblicos: Mt 25,31-46; Lc 6,36-38; Mc 8,34-38.

Na oração: em que medida as coisas discernidas fizeram acontecer o Reino ao seu redor? Em que medida todo esse esforço – humano e divino gerou em você mais humanidade nova?