Retiro Inacianidade. Dia 16
16 de agosto de 2020

15 – Uma espiritualidade de paradoxos

Deus é maior porque se faz menor”

A pessoa inaciana vive de paradoxos desde o início de sua caminhada; viver o paradoxo implica sempre o seguimento de Jesus (Deus-homem), mas aqui, tomado como carisma, como modo habitual de ser.

Inácio convida cada um a viver este paradoxo desde a contemplação da Encarnação onde, por uma parte, nos faz ver “como as três pessoas divinas olhavam toda a superfície plana ou curva do mundo”; nos faz contemplar “a sua eternidade” dessas três pessoas (EE. 102), mas num segundo momento, nos faz verificar “particularmente a casa e os aposentos de nossa Senhora, na cidade de Nazaré, na província da Galiléia” (EE. 103).

Ninguém como Inácio viveu a experiência de Deus como a experiência de um Deus maior, sempre maior. Deus não tem tamanho para S. Inácio. E, no entanto, ele vê a revelação desse Deus privilegiadamente no menor.

Em Jesus Cristo, Deus assume a condição humana, “entra” nas dimensões mais negativas, humildes e difíceis da condição humana; “entra” na vulnerabilidade da humanidade; “entra” no caminho menor.

É essa experiência que dá a Inácio a flexibilidade de ir do máximo para o mínimo e no mínimo encontrar o máximo, que no fundo é o segredo de “encontrar Deus em todas as coisas”.

Quem vive a inacianidade, aprende na escola da oração a frase que define o modo de Inácio de “non coerceri maximo, contineri tamen a minimo, divinum est”, que pode traduzir-se como “não amedrontar-se diante do maior e, no entanto, caber no menor; isso é divino”.

Também ali aprenderá a “fazer todas as coisas como se dependessem de nós, sabendo que, em definitiva, dependem de Deus”.

Dois paradoxos significativos!

Um nos dispõe à aparente contradição de não conhecer limites para enfrentar o maior e, no entanto, poder estar pacificamente ajustado no menor. O outro faz referência a pôr toda a confiança no Senhor – a tal ponto que não haja a mínima intimidação diante de qualquer empreendimento – e ao mesmo tempo pôr todos os meios humanos para sua realização, consciente sempre da própria limitação pessoal.

Esse é um dos traços característicos da personalidade de Inácio: não ser detido pelo máximo.

Nenhum ideal lhe parecia suficientemente grande. E, no entanto, sabia concretizar isso no mais humilde, no aparentemente insignificante.

Essa capacidade de encontrar o máximo no mínimo gera audácia, criatividade, originalidade…Tudo passa a ter valor, tudo tem sentido, tudo é sagrado. Cada detalhe da vida se integra e se enriquece no conjunto; o cotidiano fica iluminado pela eternidade…

Aqui nasce o impulso a fazer “mais”, sempre “mais”, pondo o coração naquilo que faz.

Neste traço, novamente, a experiência de ser pecador perdoado lhe dá um matiz específico: é a grande mola da contínua conversão. É captar a essência mesma do Evangelho no qual o pecador é a quem mais se ama… É o grande paradoxo de sentir-se “lixo” e ao mesmo tempo ser chamado para a missão, para a tarefa do Reino (1Cor 1,25ss). É nunca pedir diretamente para estar na bandeira de Jesus, mas suplicar para “ser posto” com o Filho, “somente se sua divina Majestade for servido e me quiser escolher e receber” (EE. 147).

Este traço da espiritualidade favorecerá a que a pessoa inaciana realize tarefas de fronteira e de riscos extremos, abraçando, por exemplo, coisas que podem soar contraditórias em si mesmas: a máxima inculturação a partir da máxima fidelidade ao Evangelho; poder ser revolucionário e cristão; ser capaz de criticar a Igreja e, ao mesmo tempo, sentir-se filho, amante dela…

O paradoxo, para a pessoa inaciana leiga, pode ser experimentado de maneira especial em determinados âmbitos. Por exemplo, o do prestígio profissional e o conseqüente melhoramento econômico, a necessidade de assegurar um futuro economicamente tranqüilo, a busca do “magis” que impulsiona a querer melhorar, a buscar pontos chaves de influência, e, ao mesmo tempo, o convite a ir sempre “para baixo”, para as “maiorias despossuídas”, para o encontro com os mais pobres e excluídos…

É ajudar a que o pobre acredite no pobre, o máximo paradoxo social e político.

Outro paradoxo, outra aparente contradição é a da primazia do agir, da participação na vida social do mundo, e ao mesmo tempo, a busca de espaços de silêncio, deserto e oração; a opção pela austeridade no modo de vida, mas não regateando a excelência dos meios; ou a dificuldade para conciliar o tempo que a família exige com o tempo que o trabalho apostólico também exige…

Textos bíblicos: Mt 6,25-34; Lc 1,26-38; 1Cor 1,17-31; 2Cor 12, 1-10; 2Cor 4,7-15.