Retiro “Eu vim para Servir”. Dia 26
25 de outubro de 2020

12 – Cruz, consequência de um serviço comprometido

Para nossa sociedade, marcada pelo imediatismo, competitividade, busca de resultados e rejeição a todo tipo de fracasso, a presença da Cruz é um escândalo inaceitável.
De fato, nela mesma, a Cruz não tem sentido. Se a Cruz é de tal modo exaltada que a vida e a ação de Jesus acabam sendo reduzidas a ela, então acontece que ela se torna angustiante e aflitiva, incapaz de motivar ao seguimento ou de acender a esperança.
A Cruz de Jesus e de seus seguidores não permanece confinada em si mesma; seu sentido mais profundo reside em sua solidariedade para com todos os crucificados da história.
A cruz e a morte só são dignas quando são consequência da luta contra a “cruz” e a “morte” impostas às pessoas e quando expressam solidariedade com os crucificados. Aqui há espaço de transformação.
Nesse sentido, a cruz de Jesus não é um “peso morto”; ela tem sentido porque é consequência de uma opção radical em favor do Reino. A Cruz não significa passividade e resignação; ela nasce de sua vida plena e transbordante; ela resume, concentra, radicaliza, condensa o significado de uma vida vivida por Jesus na fidelidade ao Pai que quer que todos vivam intensamente.
“Jesus morreu de vida”: de bondade e de esperança lúcida, de solidariedade alegre, de compaixão ousada, de liberdade arriscada, de proximidade curadora, de serviço fecundo…
Existem cruzes que são vazias, sem sentido, in-sensatas…, pois elas fecham a pessoa em si mesma, no seu sofrimento e angústia; não apontam para o futuro, para a vida.
São cruzes que nós impusemos sobre nossos ombros ou que os outros nos impuseram. São cruzes que nascem dos fracassos, dos traumas, das rejeições, das experiências frustrantes… Tornam-se um “peso morto” pois não abrem um horizonte de vida; elas se fixam no passado, na morte… e nos deixam no túmulo. Fazer o caminho contemplativo junto a Jesus que leva a Cruz da fidelidade nos ajuda a romper com as cruzes que nos afundam no desespero.
A Cruz assumida por Jesus é “expansiva” porque é expressão de uma vida entregue a serviço dos mais pobres; ao mesmo tempo, ela O projeta para a “margem” onde Ele revela uma presença despojada, vulnerável, que se identifica com a dor do mundo, com a marginalização dos excluídos e com a desgraça de todos os miseráveis da terra. Sua Cruz manifesta que Deus continua do lado do inocente sofredor; Deus não apenas se solidaridariza, mas sofre “em sua pele”.
Esse sim é o sofrimento que Deus deseja: aquele que nos faz mais livres e disponíveis para aliviar e suprimir o sofrimento causado pelo egoísmo humano, a não solidariedade e a desumanização; Deus “quer” o sofrimento somente quando é consequência de uma convicção e de um modo de viver que não suporta que os outros sofram. A experiência nos mostra que quem, hoje, se compromete na luta contra as causas do sofrimento há de enfrentar necessariamente a perseguição, a Cruz e até a morte.
Só assim as exigências da Cruz se situam em seu devido lugar.
Foi exatamente isso o que aconteceu com Jesus. E por isso o crucificaram.
Aquele que acompanha Jesus vai também tomando consciência que a opção pela vida o conduz à Cruz.
Mas não basta carregar a Cruz; a novidade cristã é carregá-la como Jesus. Essa é a nova maneira de carregar a Cruz que Jesus nos ensina: transformá-la em sinal e fonte de amor e de entrega.
A palavra “cruz” – em grego “staurós” – vem do verbo “ficar em pé”. “Tomar sua Cruz” não é, portanto, suportar passivamente sua vida, tornar-se escravo de um destino tirânico; significa prontidão para o serviço, estado de vigilância… para passar de uma vida suportada para uma vida escolhida.
Com a Cruz “descemos” com Jesus até à cruz da humanidade.
A solidariedade com os pobres, a fidelidade à vida evangélica, nos fazem descer aos porões das contradições sociais e políticas, às realidades inóspitas, aos terrenos contaminados e difíceis, às periferias insalubres das quais todos fogem e onde os excluídos deste mundo lutam por sobreviver. Ali nos encontramos com o Crucificado, identificado com os crucificados da história.
Como diz Jon Sobrino, não podemos crer no Crucificado de um modo coerente se não estamos dispostos a fazer descer da Cruz aqueles que estão nela.
Entende-se, assim, o grande “grito” que brotou das profundezas da dor de Jesus na Cruz e que continua ecoando como clamor angustiado. Não são poucos os gritos dos mais pobres e excluídos.
Um grito é, na verdade, um convite a um serviço e compromisso solidário.
Um grito que não fica no vazio mas aponta para a vida.

Textos bíblicos: Mc 14,32-72; Mc 15,1-47