Retiro “Eu vim para Servir”. Dia 21
20 de outubro de 2020

9 – O serviço é a fé que se faz visível

Lc 17,5-10: Os apóstolos, depois de um tempo de convivência com Jesus, se dão conta de que lhes falta algo para poder compreender as exigências d’Ele. Por isso, suplicam: “aumenta nossa fé”.
A fé não é um ato nem uma série de atos, nem uma adesão a uma série de verdades teóricas ou doutrinas que não podemos compreender, mas uma atitude pessoal fundamental e total que imprime uma direção definitiva à existência.
A fé supõe, em primeiro lugar, o des-centramento de si mesmo e o reconhecimento de Deus como centro da própria vida, numa atitude de confiança incondicional; ela abre para o ser humano o horizonte infinito de Deus. Crer significa deixar Deus ser totalmente Deus, ou seja, reconhecê-lo como a única razão e sentido da vida.
Fé que se visibiliza no serviço por pura gratuidade; ou, segundo S. Paulo, a fé que se realiza “pela prática do amor” (Gal 5,3).
E Jesus ilustra isso com a pequena parábola do “simples servo”. Parábola dirigida àqueles que confiam em suas obras e exigem uma recompensa de Deus. Daí o perigo da soberba religiosa: comparar-se com os outros, colocando-se acima deles e fazendo-se o centro.
No Reino de Deus, somos todos servidores; nele não se trabalha por recompensa. Já é um privilégio podermos colaborar na obra o Senhor. A parábola revela que o trabalho a serviço do Senhor já é uma graça e a recompensa não pode ser exigida; ela é dom.
Não podemos fazer desse serviço uma “carreira”, com promoções, honrarias e prêmios. No mundo em que vivemos, a mínima prestação de serviço exige uma gratificação específica. Tudo tem um preço. Nossa mentalidade exclui todo espírito de serviço gratuito.
Há aqui o princípio ético que deve reger a conduta do cristão, diante de Deus e diante dos outros. É a atitude da inteira disponibilidade, a intensidade do compromisso, sem queixas, sem comparações …
Por isso, crer no Deus que “atua em tudo e em todos” implica estar sintonizados com Ele, atuando na mesma direção, fazendo as mesmas obras que Ele está fazendo para tornar este mundo mais habitável.
Nesse sentido, “somos servidores e nada mais, fizemos o que devíamos fazer”.
Não está correta a tradução: “somos servos inúteis”. Se o servo fosse inútil, o senhor não lhe pediria serviço algum. Seu trabalho tem muito valor aos olhos do senhor. Mas o servidor não é nenhuma personalidade de destaque. Ele não está acima do senhor, Ele faz seu trabalho; é servidor, e nada mais.
Ao situar nosso trabalho cotidiano na linha da colaboração com a atividade criadora de Deus, do serviço à humanidade, da construção de um mundo fraterno…, isso nos ajuda a não converte-lo em um mecanismo ou dinâmica de auto-centramento, de busca exclusiva e muitos vezes compulsiva de nós mesmos e de nossos interesses e benefícios; ao mesmo tempo, nos faz evitar, em nosso modo de trabalhar, atitudes e ações de domínio, de manipulação, de cobrança dos outros…
São vários outros elementos que contribuem para fazer de nosso serviço uma “experiência espiritual”: a pureza de motivações (por que faço isso? para quem faço?), a capacidade de “contemplar”, o crescer em gratuidade, o deixar-se ajudar, a capacidade de agradecer…
A atitude de gratidão (consciência viva daquilo que cada dia recebemos e nos é dado) nos faz viver nosso trabalho como serviço e o liberta radicalmente de suas dimensões de rotina, de carga…, e o vai situando na linha de uma experiência profundamente “espiritual”: dupla experiência de agradecer e ajudar.
Quando vivemos nosso serviço a partir da gratidão, o esforço que o mesmo serviço exige brota de um modo mais natural, mais espontâneo…; por isso, “cansa” menos, “desgasta” menos…
Se vivemos a partir da gratidão, ficamos menos “dependentes” da compensação que os outros poderiam dar à nossa entrega ou ao nosso serviço.
Encontramos aqui o fundamento espiritual para o nosso serviço: o serviço, seja ele qual for, é redentor, se a motivação é evangélica, se ele está orientado para o Reino. Não é o serviço que nos faz impor-tantes, mas somos nós que fazemos qualquer serviço ser importante, quando ele é realizado na perspec-tiva do Reino de Deus. Todo serviço é nobre, seja ele o de cinzelar estátuas ou o de esfregar o chão.
A alegria do serviço está no fato de perceber o sentido e a intenção presentes nele. Afinal, somos chamados a “trabalhar na obra do Senhor”, somos seus “servidores”.
A verdadeira “experiência espiritual” é estabelecer com o “Deus da Vida” uma relação “desinteressada”, isto é, uma relação na e a partir da gratuidade. Daqui brota a dimensão contemplativa do serviço, pois este passa a ser “templo” do encontro com Deus Servidor de colaboração com os outros.