retiro em tempo de distanciamento
27 de maio de 2020

29 – Silêncio: lapidador de palavras sábias

O Verbo saiu do silêncio para nos reconduzir ao silêncio”

(Inácio de Antioquia)

Nosso mundo está repleto de “palavras”. Em todos os lugares aonde vamos somos cercados por elas: palavras murmuradas com suavidade, proclamadas em altas vozes ou berradas irritadamente; palavras faladas, recitadas ou cantadas; palavras em discos, em livros, em muros ou no céu; palavras de muitos sons, muitas cores ou muitas formas; palavras para serem ouvidas, lidas, vistas ou olhadas de relance; palavras que oscilam, se movem devagar, dançam, pulam ou se agitam.

Palavras, palavras, palavras! Elas formam o piso, as paredes e o teto de nossa existência.

Em um mundo desses, quem guarda respeito pelas palavras?

As palavras perderam o poder criador. Sua multiplicação ilimitada fez-nos perder a confiança nelas e muitas vezes nos levou a pensar: “São apenas palavras?” A palavra já não comunica, já não incentiva a comunhão, já não cria comunidade e, portanto, já não dá vida.

Como na música, o silêncio é o compasso de pausa, tempo indispensável para a escuta da palavra que chega e para a gestação da palavra-resposta.

O silêncio é a fecundidade da palavra. As palavras criam comunhão, e, portanto, nova vida, apenas quando personificam o silêncio do qual emergem.

A característica da solidão é o silêncio, assim como a palavra é a característica da comunhão. Entre silêncio e palavra estão presentes as mesmas ligações interiores que entre solidão e comunhão. Uma não pode existir sem a outra.

A palavra não atinge as pessoas barulhentas, ruidosas…, mas aquelas que se mantém em silêncio.

O silêncio no tempo é o sinal da santa presença de Deus em sua Palavra.

A “Palavra de Deus” nasceu do silêncio eterno de Deus, e é essa Palavra vinda do silêncio que queremos ser testemunhas. O silêncio é a morada da palavra e a ela dá força e fecundidade.

Podemos até dizer que as palavras têm o objetivo de revelar o mistério do silêncio do qual elas se originam. O silêncio prepara a palavra e constitui a fonte privilegiada do seu manancial.

A expressão “estar em peregrinação é estar em silêncio” exprime a convicção dos monges do deserto de que o silêncio é a melhor expectativa do mundo futuro.

O silêncio nos mantém peregrinos e nos impede de ficar emaranhados nos afazeres deste tempo.

O silêncio guarda o fogo do Espírito Santo que habita em nós.

O silêncio é a disciplina pela qual o fogo interior de Deus é cultivado e mantido aceso.

O silêncio oportuno é precioso, pois é nada menos que a mãe dos pensamentos mais sábios.

O silêncio nos ensina a falar. A palavra com poder vem do silêncio.

A palavra que dá fruto surge do silêncio e a ele retorna. Essa palavra nos faz lembrar o silêncio do qual ela vem e nos leva de volta ao silêncio.

A palavra que não está enraizada no silêncio é palavra fraca e impotente como “um metal que ressoa, um címbalo retumbante” (1Cor 13,1).

A palavra tem peso quando se percebe nela o silêncio. O silêncio é o conteúdo secreto das palavras que o traduzem. Uma alma vale pela riqueza de seus silêncios” (D. Sertillanges).

Tudo isso só é verdade quando o silêncio, que dá origem à palavra, não é vazio e ausência, mas plenitude e presença, não é o silêncio humano do embaraço, da vergonha ou da culpa, mas o “silêncio divino” no qual o amor repousa em segurança.

Aqui vislumbramos o grande mistério do qual participamos pelo silêncio e pela Palavra: o mistério da “fala” de Deus. De seu eterno silêncio, Deus expressou sua Palavra e por meio dela criou e recriou o mundo. E na plenitude dos tempos, a Palavra de Deus se fez “carne” e deu poder a todos os que creem para se tornarem filhos de Deus.

O silêncio permite-nos pronunciar uma palavra que participa do poder criador e recriador da Palavra de Deus. Em tudo isso, a Palavra de Deus não rompe o silêncio de Deus, e sim revela a imensurável riqueza do silêncio divino.

O silêncio é, primordialmente, uma qualidade do coração que leva à caridade sempre crescente.

A palavra é sadia e constrói fraternidade apenas quando nasce da escuta e do silêncio. Por isso, é preciso saber cuidar da palavra, fazê-la florescer em toda a sua força e beleza, curá-la pela raiz através do silêncio.