retiro em tempo de distanciamento
26 de abril de 2020

1 – A fecundidade da solidão

Foge para dentro da tua solidão. Sê como a árvore que ama com seus longos galhos: silenciosamente, escutando, ela se dependura sobre o mar…”

O ser humano não é apenas extroversão, comunicação e relação.

Ele é também silêncio, interioridade, mistério e solidão.

E isto não como deficiência ou consequência de desequilíbrios internos ou de situações externas desfavoráveis.

Há em nós um silêncio que não é apenas intervalo de palavra ou mutismo, mas reverência diante do Inominável e há uma solidão que não é amarga privação do convívio humano nem isolamento arrogante, mas um recolhimento ao mistério do instante e de todas as coisas.

O ser humano não é apenas um ser social, ele é também só, uma verdade nunca definitivamente revelada, um mistério nunca totalmente compreendido, uma questão para si mesmo, um resto de incomunicabilidade, não porque ele não queira se expressar, mas porque seu derradeiro segredo é secreto também para ele. E o ser humano é uma última solidão. Indevassável por quem quer que seja, porque, no mais profundo, está enraizado no último mistério do mundo e dos homens: Deus.

Quando alguém se sente habitado no fundo do próprio ser, nunca fica só, mesmo quando solitário. Ao passo que quem não se sente habitado no fundo do próprio ser, sente-se só mesmo quando em companhia (Arturo Paoli).

Esta é a solidão essencial: o encontro com o Mistério de nossa vida.

Aqui, no interior deste recolhimento, o que importa já não é mais a palavra que expressa o que se sabe, mas o escutar que acolhe o “desconhecido”; não mais a comunicação do que somos e temos, mas o recolhimento do que nos é dado e inspirado.

Tais instantes nada têm a ver com a desventura do abandono e as amarguras do isolamento.

Eles são, antes, grávidos de sentido e de especial fecundidade. Pois esta solidão possui o originário poder que não nos isola, mas lança toda a existência na ampla proximidade da essência das coisas.

Falarei secretamente à minh’alma e exigirei dela, em amiga confabulação, o que desejo saber. Nenhum estranho será admitido… assim não me intimidarei em perguntar coisas ocultas nem ela terá pudor em responder-me a verdade”. (Hugo de São Vitor)

Todo ser humano, por necessidade essencial, é também solidão, recolhimento ao espaço de uma última imediatez e intimidade entre ele apenas e seu mistério.

Sem esta solidão e seu originário poder que nos lança para dentro da intimidade de todas as coisas e que fecunda a vida, tudo será apenas superficialidade, vazio e esterilidade.

Trata-se de saber viver a experiência da solidão, não de isolamento… mediante o encontro com meu próprio eu que se vai fazendo comunhão, no mais profundo, com a vida, com os outros e com Deus.

Texto bíblico: Ex 33,18-23.

Não se pode pretender “ver a Deus” e continuar vivo; pelo menos não se pode viver como antes. É inconcebível “entrar e sair” da oração como se nada acontecesse: alguma coisa deve mudar.

Se se quer uma vida nova, deve-se morrer para a antiga.

Senhor, faça-me ver o teu rosto e isto me basta”.

E se não se pode ver o rosto, basta contemplar a orla do manto: depois disso tudo se transforma. Rezar é um pouco morrer.

Na oração: criar um clima, interior e exterior, para o ingresso na oração.

Como nas nossas igrejas, existe um umbral, um limiar, um momento de parada, assim também, em cada uma de nossas orações e, sobretudo, se prolongada, é necessário criar um instante íntimo, um momento de silêncio absoluto. Devemos “entrar na oração” como pobres, não como possuidores.

É necessário apresentar-se diante de Deus em verdadeiro estado de pobreza, de espoliação, de ausência total de pretensão, conscientes de que nada temos para levar, porém tudo a receber.

Se o nosso coração estiver com Deus, o resto seguir-se-á e saberemos o que dizer e fazer.