retiro em tempo de distanciamento
8 de maio de 2020

12 – Medo e fascínio do silêncio

É preciso preencher o silêncio com uma densidade de vida pessoal e teologal”

O homem que expulsou de seus pensamentos o Deus vivo, que por si enche todos os espaços, não pode suportar o silêncio. Para aquele que se detém a viver às margens do nada, o silêncio é o sinal terrível do vazio. Qualquer ruído, por mais modesto e obsessivo, lhe parece mais aceito; qualquer palavra, mesmo a mais insípida, é libertadora de uma inquietação. Toda tagarelice, toda lamúria, todo estridor é bem aceito se, de algum modo e por algum tempo consegue distrair a mente da espantosa consciência do universo deserto”. (Carlo M. Martini)

Silêncio não é antítese de palavra falada, mas somente de ruído.

Na realidade, silêncio é antes de tudo o espaço, a condição, a secreta fonte da palavra.

Quando o ruído diminui e sucede o “silêncio”, o reino da “palavra” nasce.

O silêncio é, portanto, como o espaço no e do qual brota e se levanta a palavra originária.

O silêncio dá profundidade à palavra. Da multidão de “palavras” o silêncio faz germinar a Palavra que requer e dá sentido ao falar, ao agir, ao amar, ao sofrer, ao criar do ser humano.

A própria “Palavra de Deus” revelada fica verdadeiramente acessível a nós, quando se torna mensageira do silêncio.

Existe, de fato, uma conexão íntima entre palavra e silêncio, que faz do silêncio o outro elemento da estrutura dialogal do ser humano. O elemento primário é a palavra pronunciada e acolhida pela qual a pessoa entra em comunicação com os outros.

Mas há também uma insuficiência da palavra no encontro interpessoal, uma incapacidade sua em estabelecer uma perfeita comunhão. Então intervém o silêncio.

O silêncio, enquanto condição desta palavra, é, de um lado, expressão consciente da pobreza interior do ser humano, de outro, expressão de seu desejo de instaurar uma relação com o Absoluto.

Entre esses termos, o silêncio é um valor, enquanto dispõe àquele valor máximo que é o re-encontro do sentido da vida.

A oração é um mistério de silêncio!

O silêncio, como espaço interior da palavra originária, não é uma veste que se usa à vontade ou uma máscara que esconde o ruído interior. A oração nasce naquele que progressivamente alcança esse silêncio.

Um elo invisível e forte atua entre o silêncio e a caridade.

Esse elo é assim expresso por S. Inácio:

Tenham todos um cuidado especial em proteger com muito empenho de toda a desordem as portas de seus sentidos, especialmente os olhos, os ouvidos e a língua, e em se manter na paz e na verdadeira humildade interior. Deem delas testemunho no silêncio, quando se deve guardar, e quando se deve falar, na ponderação e edificação das palavras, modéstia do rosto, gravidade no andar e em todos os gestos sem sinal algum de impaciência e de soberba.

Em tudo procurem e desejem dar preferência aos outros, estimando-os interiormente como se lhes fossem superiores e tratando-os exteriormente com respeito e deferência devida à condição de cada um, com naturalidade e simplicidade religiosa. Assim, no convívio mútuo de uns com os outros, crescerão em devoção e louvarão a Deus nosso Senhor ao qual cada um deve procurar reconhecer no outro como em sua imagem” (Const. no. 250).

Toda verdadeira caridade nasce no coração daquele que se deixou penetrar silenciosamente pelo olhar divino, como todo ato autêntico de oração é música que se extrai somente do silêncio.

No dia 5 de dezembro de 1991, o Santo Padre rendeu homenagem a Mozart, participando de um concerto no Vaticano. Por desejo expresso do maestro Carlo Maria Giuliani, ao término da execução, a assembleia levantou-se, sem o tradicional aplauso, e em seguida deixou a sala em silêncio. Um jornalista escreveu no dia seguinte: “Seis mil pessoas que aplaudem causam impressão, mas seis mil pessoas que silenciam no momento sempre reservado às aclamações impressionam mais ainda. Esse substituir o clamor pela meditação contribuiu para aumentar a emoção de todos e tornar único esse concerto no ano de Mozart” (Gasponi)