retiro em tempo de distanciamento
6 de maio de 2020

10 – Esse “silêncio” tão difícil

O mar só reflete a luz quando está calmo”

Quanto mais se acha nossa alma a sós e afastada, mais apta se torna para aproximar-se e chegar a seu Criador e Senhor, e, quanto mais assim se achegar, tanto mais se dispõe para receber graças e dons da sua divina e suma bondade” (EE. 20).

Para que os encontros entre as pessoas sejam enriquecedores, produzam frutos de conhecimento e de comunhão, de alegria e de paz, de generosidade e de entrega, tem de ser criado um espaço para eles.

Nos Exercícios Espirituais, S. Inácio insiste na necessidade de se criar um ambiente, uma atmosfera, um ecossistema espiritual (de recolhimento, concentração, vigilância, acolhimento) que propicie o encontro pessoal do exercitante com Deus, um habitat que favoreça a ação da Graça nele, um húmus onde possa brotar, com o máximo de pujança e de fecundidade, a “vida segundo o Espírito”.

Uma senhora, animadora de comunidade, expressava o modo de Deus se comportar conosco durante os Exercícios, dizendo:

– “Deus é muito educado”. E o explicava assim:

– “Quando uma pessoa está falando com Deus na oração, ou pensando em Deus durante os tempos livres, no momento em que ela começa a falar com outra pessoa, Deus se afasta, porque “é muito educado”; ou então, quando duas ou mais pessoas estão falando entre elas, Deus não se aproxima porque aproximar-se de uma delas para lhe falar em particular nesse momento, seria falta de educação, e “Deus é muito educado”.

O afastamento ou distanciamento físico, psicológico e afetivo dos lugares e ocupações, dos cuidados e relações, o silêncio, a escuta interior… que absorvem inteiramente nosso tempo e nossas energias, nosso pensamento e nosso coração… é difícil, mas necessário.

Como ouvir a voz e os apelos de Deus enquanto somos bombardeados com avalanches de notícias, com torrentes de propaganda, com preocupações e ansiedades…?

Para “entrar” nos Exercícios chegamos “com a mochila carregada de pressa e ruídos”.

Dentro de nós, na memória, nos neurônios e no coração, o acelerador e os ruídos, os projetos e preocupações, que marcaram o ritmo de nossa vida durante meses ou anos, continuam ligados e ativos.

Carregamos no organismo espiritual as toxinas que impedem respirar o Espírito de Deus e ouvir a sua voz.

“Colocados diante de nós mesmos, o silêncio nos conduz para além de nós mesmos; do silêncio que exprime amor brota a luz que aponta o caminho da interioridade, do para-além-de-nós-mesmos. Este caminho só pode ser percorrido pela pessoa enquanto ela se encontra só” (F. Betto)

Não é possível o encontro com o melhor de nós mesmos, nem com os outros, nem com Deus, se não fazemos silêncio.

O silêncio, sinal de máxima intensidade do amor preside a comunhão com Deus, porque as palavras não são suficientes.

Se somos abertos ao Outro, aos outros e ao mundo, o silêncio faz descobrir mais uma vez a novidade do amor. Ele é o momento de síntese, re-união, encontro.

Texto bíblico: Lc 18,9-14.

O silêncio pode ser sinal de um coração magnânimo e indulgente para com as fraquezas dos outros: “O falho de coração despreza o seu próximo, mas o homem inteligente conserva o silêncio” (Prov 11,12).

A delicadeza e o tato são, muitas vezes, os companheiros do silêncio.