Retiro Ecologia e Espiritualidade. Dia 6
5 de setembro de 2020

No encontro com o outro descubro meu rosto

Quem não se alfabetiza no amor, na solidariedade

e em ver o outro como uma extensão de si mesmo,

fica privado de grandes tesouros da vida”.

O Evangelho deste domingo, que faz parte do “discurso comunitário”, revela uma preocupação especial pela vida interna da comunidade cristã; ela é formada pelos seguidores de Jesus que “se reúnem em seu nome”, atraídos por Ele, animados por seu Espírito. Jesus é a razão, a fonte, o alento, a vida desse encontro.

O Evangelho nos adverte que não podemos partir de uma comunidade de “perfeitos”, mas de uma “comunidade de irmãos” que reconhecem suas limitações, fragilidades… e necessitam do apoio mútuo para superar as dificuldades e reforçar os laços internos.

O Evangelho de hoje aponta para esta realidade: nós nos constituímos como “humanos” pelas nossas relações; em outras palavras, só nas relações com os outros podemos crescer em humanidade.

Estamos sempre em contato com o “outro”. E o outro é pessoa. O outro revela certa magia, ao mesmo tempo sedutor e enigmático. O outro é plural, apresenta múltiplos rostos; é diferente, inédito…

Só seremos nós mesmos quando alguém nos descobre, nos acolhe, nos aceita… respeita nossa verda-deira identidade. O outro é a realidade que nos permite tomar consciência de nós mesmos.

Essa identidade se revela por meio das relações: ninguém cresce sozinho, precisamos dos outros; precisamos viver relações sadias e maduras com os outros (família, amigos, trabalho, grupos, comunidades…).

Nesse sentido, uma pessoa encontra somente sua realização na interação com o ambiente que a cerca.

O ser humano está comprometido com os outros; por sua própria natureza, ele se torna pessoa humana somente em interação com os outros; ele possui impulsos naturais que o levam em direção ao convívio, à cooperação, à comunhão…; ele é reserva de humanidade e compromete-se com a dignidade humana.

O ser humano é um ser constitutivamente aberto, essencialmente em referência a outras pessoas: estabelece com os outros uma interação, entrelaça-se com eles, e forma um nós: a comunidade.

Como homem e como mulher trazemos esta força interior que nos faz “sair de nós mesmos” e criar laços, construir fraternidade, fortalecer a comunhão. O olhar do outro é o fato originante da fraternidade.

– o ser humano não é feito para viver só; ele é chamado a viver em comunhão com todas as pessoas;

– ele necessita com-viver, viver-com-os-outros;

– é essencial descobrir o sentido e a vivência da relação com os outros, da fraternidade…

– o sentido da relação com os outros é um dom de Deus, que nos foi dado a todos.

Deus nos fez amor para o mútuo encontro, para a doação, para a comunhão…

Fomos criados “à imagem e semelhança” do Deus Trindade, comunhão de Pessoas (Pai-Filho-Espírito Santo). Como criaturas, fomos atingidos pela marca trinitária de Deus. Quanto mais unidos somos, por causa do amor que circula entre nós, mais nos parecemos com o Deus Trindade. “Se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós e o seu Amor em nós é perfeito” (1Jo 4,12). Deus colocou em nossos corações impulsos naturais que nos levam em direção ao convívio, à cooperação, à acolhida, à solidariedade…

Deus é o ponto focal para enxergarmos o outro. Se há eu e se há tu, então a presença de Deus se revela.

A fraternidade, a vida em comum se mede pelo amor, por atos e gestos de doação, de perdão, por vivências de comunhão, por experiências de partilha do mesmo ser, da mesma vida, da entrega mútua…

O amor é olhar o outro com olhos tão limpos, bondosos, desinteressados, tão profundos… que só desejo que o outro seja o que é… Eu o aceito e o quero tal e como é… Alegro-me de vê-lo assim, tal como é…

Como viver relações comunitárias sadias e reconstrutoras?

Abrindo espaço para a “presença humanizadora” de Cristo na comunidade. Assim, a vida de Cristo vai se fazendo vida em cada membro. O Cristo contemplado como o Outro vai modelando a identidade de cada um.

Esta relação intensa em fazer caminho com Jesus se expande na vivência de novas relações com os outros e com a realidade que o cerca. Na verdade, Ele provoca as pessoas a saírem de seu isolamento e padrões alienados de relacionamento para expandir-se em direção a uma nova forma relacional com tudo o que existe; tal relação é a concretização do sonho do “Reino de Deus”.

É impressionante que o núcleo central das parábolas de Jesus é formado por imagens que “unem” e “comprometem”. O fermento da relação correta e justa é que constitui o material do Reino de Deus.

O próprio Jesus atua como presença que une, pois “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles”.

Jesus, numa extraordinária abertura para uma diversidade de relações, mostrou que o processo de transformação deve estar enraizado na totalidade da vida.

Onde há autêntica comunidade, aberta e sedenta da “relação-serviço”, ela está tornando presente este Cristo, que põe em movimento uma dinâmica redentora. O autêntico seguimento de Jesus significa que a qualidade da comunidade possibilita encontros cheios de graça.

As duas realidades – pessoa e comunidade – se condicionam e se complementam.

A pessoa faz a comunidade e a comunidade faz a pessoa”.

A personalidade cristã tem que ser também promovedora de “corpo” – que para S. Paulo é a experiência da comunidade. O seguidor de Jesus não é uma “personalidade isolada”, mas aberta à comunhão e à partilha com os outros.

Uma comunidade cristã não é um fim em si mesma. Ela deve ser comunidade aberta, apostólica, reunir para o serviço todos os que, nas pegadas de Cristo, querem unir-se para trabalhar com Ele na mesma direção e no mesmo projeto.

A comunidade cristã é uma comunidade que vive o espírito das Bem-aventuranças; é uma comunidade “cons-piratória”: conspirar, com-inspirar, respirar com alguém, juntos.

Conspiradores”: respiram o mesmo ar, o mesmo sonho, a mesma utopia do Reino.

Texto bíblico: Mt 18,15-20; Rom 13,8-10

Na oração:

. Olhar cada uma das pessoas com quem convivo. Dar-me conta daquilo que sinto para com cada uma delas, como as trato, como as acolho…

. Contemplar o outro respeitando-o em seu modo de ser, de agir, de pensar, de falar, ajudando-o a ser mais humano no seu modo de ser, de pensar, de viver…

. Observar e descobrir seus valores, suas riquezas, sua originalidade, sua profundida de; lentamente, mas com um olhar sereno e profundo… tentar descobrir “algo mais” presente em cada pessoa com quem convivo (família, trabalho, comunidade); vê-la com os olhos do coração: imagem de Deus, amada por Deus, templo do Espírito, presença de Deus no mais profundo de seu ser.

. Não podemos esquecer que também cada um de nós é um “outro” para os outros.

E poderíamos nos perguntar que espécie de “outro” temos sido para os outros.

Ser “outro” é mandamento, é apelo à responsabilidade, à ajuda mútua, ao perdão re-construtor…