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28 de setembro de 2020

Santidade: a ousadia de “deixar-se conduzir”

“Era conduzido por caminhos antes inimagináveis…”

Na vida de um santo, mais que contemplá-lo na sua glória, é bom considerar sua caminhada para a santidade: é o Espírito do Senhor que o conduz.
“O santo é aquele que é humano por excelência”.
“O que seria a santidade de nossos santos se lhes tirássemos toda a história e sequência de esforços, fadigas, quedas, tentações, crises, pequenos e quase imperceptíveis passos à frente, momentos de entusiasmo e de tristeza, de intimidade com Deus e de descida aos infernos, de visões de sétimo céu e de desconcertante experiência da própria fraqueza?
História e sequência humana certamente, mas não apenas humana, porque é exatamente através desses momentos que o mistério da santidade, como ação toda de Deus e toda do ser humano, se torna concretamente decifrável, se deixa tocar e reconhecer para que também os outros percebam o seu fascínio e seu apelo, mostra aquilo que Deus realiza nas almas que o acolhem, mostra afinal a face da própria santidade de Deus” (A Cencini).
Um santo é a “irrupção” original e única do Espírito de Deus. Uma maravilha sem comparação que invade a história e permite que seja dito o Indizível e experimentado o Transcendente.
A presença de um santo ultrapassa nossa estatura. Algo de “maior” se levanta, seduzindo-nos, atraindo-nos e surpreendendo-nos. Um modelo se apresenta à consciência das pessoas e das comunidades.
Os santos são personagens de limiar, de fronteira…; eles vislumbram o novo, a outra margem… são pessoas de atitude “ex-cêntrica”: é sempre o Outro quem os conduz.
O heroísmo deles é “deixar-se conduzir”, deixar que se manifeste a força divina ali onde é maior e mais evidente a fraqueza humana.
“Sejam santos, porque eu sou santo” (Lev 11,45).
Esta é a vocação fundamental à qual somos todos chamados, enquanto seguidores de Jesus Cristo.
Ser santo é ser dócil para “deixar-se conduzir” pelos impulsos de Deus, por onde muitas vezes não sabemos e não entendemos. Seus caminhos não são os nossos caminhos.
Este “deixar-se levar” pela mão providente de Deus é uma ousadia.
Na vida espiritual a liberdade tem que ser ousada, mas a maior ousadia é “deixar-se levar”.
“Deixar-se levar” é uma ousadia porque pressupõe a ação de Deus, um Deus que impulsiona e que impulsionará sem limites. É também uma ousadia porque a pessoa confia cega e descansadamente na força do Senhor que não falha.
Ser santo é “arriscar-se” em Deus. É privar-se das humanas certezas em nome da Sua Verdade. É excluir-se das seguranças e estabilidades do mundo.
Por isso a santidade é surda aos critérios do mundo, ao cálculo utilitarista… sem sucumbir às idolatrias do progresso a qualquer custo, da eficiência, da produtividade… Ela navega no oceano da gratuidade, da compaixão, da solidariedade…
O modo de proceder do santo no mundo é imagem fiel do modo de proceder do próprio Deus, que é princípio e garantia da Verdade, do Bem, da Justiça, da Misericórdia, da Compaixão…
Ser santo é ter a audácia de reinventar o humano; é resgatar a paixão por um ideal irrecusável; paixão pela inconformidade das coisas serem como são; paixão pela vitória da esperança; paixão pelo sonho de melhorar a si mesmo e ao mundo; paixão pelo futuro… enfim, ser santo é ter capacidade ilimitada de paixão.
O mundo moderno traz consigo uma nova forma de santidade: a santidade da vida comum, da resposta à Providência divina em meio às rotinas do tempo, uma caridade tecida nos pequenos gestos…
Surge, então, a imagem de um santo que é filho do momento e da situação presente, cujo agir se processa no mundo em que está encarnado. O santo é aquele que, na “loucura santa”, revela uma pulsão de vida para com o mundo; é um biófilo (amigo da vida); é um co-operador, agindo sob o primado da escuta da Palavra de Deus dita na e pela situação cotidiana.
Não é o trivial ou o excepcional que distingue a santidade do ato: o que importa é sua correspondência à Vontade de Deus expressa na situação concreta. O importante é verificar qual é a intenção, qual é a motivação que está por detrás de cada ato, de cada atividade: para quê? para quem?…

Textos bíblicos: Jo 1,47-51.