11 – Espiritualidade do encantamento
“Ao ver uma planta, uma pequena erva, uma flor, uma fruta, um pequeno verme ou qualquer outro animal, S. Inácio contemplava e levantava os olhos aos céus, penetrando no mais interior e no mais remoto dos sentidos”
(P. Ribadeneira)
Para a pessoa que vive a experiência dos Exercícios, cada criatura torna-se uma irradiação de Deus, um lampejo do Absoluto, um recipiente onde se conservam gotas de transcendência. Cada vida, seja animal ou vege-tal, é um cenário de manifestação de Deus
As criaturas são o “habitat” de Deus.
Tudo fala de Deus, tudo manifesta e revela o seu Amor. Tudo pode ser lugar de encontro com Deus; tudo é “sacramento” de Deus (Deus nos fala a linguagem das coisas, das criaturas, dos acontecimentos, da festa…)
Tudo pode causar “admiração e encantamento”. Como não se extasiar diante da majestade da Criação?
Para S. Inácio, tudo está “amorizado”, ou seja, cheio de Amor, tudo está “cristificado” e cheio de sentido. O cosmos abria para ele um espaço de “totalidade”, onde a graça de Deus, depois de consolá-lo, enchia sua existência de um desejo sempre maior de servir a Deus e ao próximo.
“A maior consolação que descobrira então era contemplar o céu e as estrelas. Fazia-o muitas vezes e por muito tempo, porque com isto sentia em si um muito grande esforço para servir a Nosso Senhor” (Aut. no 11).
S. Inácio vê uma bondade intrínseca em todas as manifestações do mundo visível. Para ele, não existe um dualismo entre homem e natureza, pois tudo é pensado e sentido globalmente a partir de Deus.
A originalidade de S. Inácio está em “olhar” a Criação a partir de Deus, “com os olhos do Amor”. A partir de Deus, o ser humano encontra seu lugar e sua relação com a natureza. Respeitando a singularidade de cada criatura e de seu estado vegetativo, sensitivo e racional, a beleza de Deus se faz presença, se visibiliza…
A beleza de Deus se difunde, se manifesta. E ao contemplar o esplendor da Beleza de Deus revelada na Criação, a pessoa se sente seduzida, fascinada, se faz amorosa… A Criação nos fascina como o sol; nos atrai poderosamente e nos enche de entusiasmo. Esta experiência evoca um sentimento profundo de veneração, de encantamento, de reverência e respeito. O olhar contemplativo sobre a realidade, ativa em nós o assombro, a admiração, o espanto. Diante da sacralidade da vida e do ser humano, diante das maravilhas do universo, o assombro é a única atitude condigna.
As criaturas existem e são sustentadas pela força onipotente de Deus.
Ele continua “trabalhando”, re-criando, fazendo tudo novo. O mundo inteiro é um enorme sacramento do Amor. O universo se transforma num sacramento, num lugar e num espaço de manifestação da “divina presença”; todas as coisas são por excelência a revelação do sagrado.
Ter fé é encarar de frente o “mistério”, e se encantar com ele… A fé é um encantamento e um mergulho confiante no infinito Amor de Deus, que aos poucos se manifesta a quem decide acolhê-lo com amor.
E esta manifestação se realiza nas coisas simples da vida. Fé e encantamento andam sempre juntas.
“É poeticamente que o ser humano habita a terra” (F. Holderlin).
Habitamos poeticamente o mundo a cada momento, quando vemos o outro lado das coisas e um outro mundo dentro do mundo de beleza e encantamento: sentimos, estremecemos, vibramos, nos enternecemos, ficamos encantados com a Criação e sua insondável vitalidade e beleza.
Aqui o ser humano se descobre reconciliado com o universo que o cerca: “exclamação de admiração com intenso afeto, discorrendo por todas as criaturas…” (EE. 60).
A contemplação não pode ser compreendida de maneira passiva ou romântica, mas, ao contrário, ativa e interpelativa. É uma contemplação em que o belo, o fascinante e o diferente cativam os olhos, enchem a nossa interioridade de louvor e admiração.
Contemplação é descobrir Deus em tudo. É sentir-se sempre em Deus.
Contemplação é amar a Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus.
É sentir-se amado por Deus em todas as coisas e amar a Deus em todas elas.
Textos bíblicos: Heb 11,1-40; Lc 12,22-32; Sab 7,15-30; Eclo 18,1-14; Prov 8,22-36
Na oração:
– entoar um hino de louvor e gratidão a Deus pelos benefícios recebidos por meio da Criação; considere que toda a Criação saiu das mãos do Criador como presente especial e gratuito para você;
– ter presente na memória que fomos criados para viver em relação de amor com tudo e com todos.