Retiro “A arte de cuidar com resiliência”. Dia 6
5 de novembro de 2020

4 – Cuidado: o despertar da sensibilidade

“O que em mim sente está pensando”
(Fernando Pessoa)

A modernidade, e de modo geral a cultura ocidental, se caracterizam por seu racionalismo.
A razão organiza tudo, explica tudo… recalcando a subjetividade, os sentimentos, a ternura e a sensibilidade ética. Entregue a si mesma, a razão se faz irracional.
No entanto, a realidade é extremamente complexa e não se deixa enquadrar pelo conceito teórico, nem reduzir a fórmulas simples. Para se ter acesso a ela, necessita-se de sensibilidade, de intuição e de capacidade de comunhão com ela.
No ser humano existe mais do que a razão fria, objetivista e calculadora; ele é capaz de emocionar-se, de afetar e de sentir-se afetado, de compadecer-se, de consolar, de cuidar… enfim, ele é um “ser de sentimentos”. Ele tem coração e pode sentir o pulsar do coração do outro e intuir-lhe as preocupações, e por isso ter com-paixão, chorar e alegrar-se com ele.
“Quando falo de sentimentos humanos básicos, não estou pensando somente em alguma coisa efêmera e vaga. Refiro-me à capacidade de empatia recíproca que todos possuímos… Admitindo-se que é isso que nos permite compreender e, até certo ponto, participar da dor dos outros, podemos afirmar que essa é uma das nossas características mais significativas. É o que provoca o sobressalto quando ouvimos um grito de socorro, é o que nos faz recuar instintivamente ao ver alguém ser maltratado, o que nos faz sofrer ao presenciar o sofrimento dos outros. É o que nos faz fechar os olhos quando queremos ignorar a desgraça alheia”. (Dalai Lama)
Construímos o mundo a partir de laços afetivos. Estes laços fazem com que as pessoas e as situações sejam portadoras de valor. Sentimos responsabilidade pelos laços que nasceram. Enchemo-nos de cuidado com tudo que para nós significa sentido e valor.
Não habitamos o mundo somente através do trabalho, mas fundamentalmente através do cuidado e da amorosidade. É aqui que aparece o humano do ser humano.
Daí se conclui que o dado original não é o logos, a razão e as estruturas de compreensão, mas sim o pathos, o sentimento, a capacidade de simpatia, de empatia, de compaixão, de dedicação e de cuidado com o diferente.
Tudo começa com o pathos (sentimento). É ele que nos faz sensíveis e re-ativos a tudo quanto nos envolve. É por ele que sofremos e nos alegramos com os que se alegram e sofrem. É ele que produz em nós o encantamento diante da grandeza do universo, a veneração frente à complexidade e à beleza da Mãe Terra e o enternecimento frente à fragilidade de uma criança. Só o que passou por uma emoção ou nos evocou um sentimento profundo é que deixa marcas na alma e permanece definitivamente.
“A mente racional necessita de um ou dois momentos a mais para registrar e reagir do que a mente emocional; o primeiro impulso é do coração, não da cabeça… por isso é necessário equilibrar a racionalidade com a compaixão.” (Daniel Goleman)
A cosmologia contemporânea nos revela que a lei mais fundamental do universo não é a competição e o triunfo do mais forte, mas sim a cooperação de todos com todos. Tudo está tecido por uma rede incomensurável de relações energéticas e materiais. Tudo tem a ver com tudo, em todos os momentos e em todas as circunstâncias. Nada nem ninguém pode viver fora destas relações.
As ciências da vida resgataram a centralidade da compaixão, do sentimento, do cuidado e da ternura para com todas as manifestações da vida. Resgataram a dimensão anima, que existe como princípio no homem e na mulher, ou seja, a capacidade de se ter cuidado em tudo quanto se faz, de sentir, de ter compaixão, de perceber o Espírito perpassando todas as coisas, de captar nas partes uma totalidade integradora. É o princípio anima que faz do homem um ser espiritual, um ser ético, capaz de responsabilidade, de veneração e de respeito e abre o seu coração para vislumbrar a sacralidade do universo.

Textos bíblicos: Eclo 39, 12-35; Eclo 43.
Na oração: “Elementos no firmamento, silêncio na natureza, gritos no coração, efervescência na cidade: sinais de um mesmo mistério”. (Frei Cláudio)