Retiro “A arte de cuidar com resiliência”. Dia 19
18 de novembro de 2020

15 – Crise: riscos e oportunidades

“Todas as grandes coisas acontecem na crise, no turbilhão”
(M. Heidegger)

A crise é um processo normal e faz parte da essência da vida e da história. Ela emerge de tempos em tempos para permitir a vida permanecer sempre vida, poder crescer e irradiar. O simples fato da crise é um bom sintoma. É sinal de que se abriram novas possibilidades, de que fermenta um processo depurador.
A etimologia da palavra “crise” é exatamente isso: vem do sânscrito “kri” ou “kir” e significa “desembaraçar”, “purificar”, “limpar”. Crise designa, então, o processo de purificação do cerne, para trazer à tona o essencial e eliminar os elementos secundários que foram se acumulando no interior da vida, comprometendo-a e esvaziando-a de sentido. Todo processo de purificação implica ruptura, divisão e descontinuidade. Por isso esse processo é também doloroso e assume aspectos dramáticos. Mas é nessa convulsão que se catalisam as forças e se purificam os valores positivos contidos na situação de crise.
A crise não é um mal que surge inesperadamente, interrompendo o curso normal da vida; é um momento de virada. Caímos em crise quando algo novo quer entrar em nossa vida e não podemos ou não queremos lhe dar espaço e atenção.
Crise da vida são chances de vida. Há momentos na vida em que, para continuar, é preciso romper, entrar num processo de agitação, de instabilidade e radical questionamento, onde “não se muda algo no mundo, mas onde o mundo todo muda”.
A crise é esse momento angustiante, mas profundamente criativo, que permite o evoluir da vida sobre outras bases e com outros valores; dá-se a passagem de um nível para outro mais alto de vida.
As crises, portanto, apresentam outra face: podem sinalizar mudanças positivas e liberar energias; elas dão início a profundas transformações. Sabemos que a crise pode romper coisas incrustadas, atitudes acomodadas… O caminho torna-se mais claro, a vida mais agradável, o futuro mais empolgante.
Depois de qualquer crise, seja corporal, psíquica, moral, seja interior e religiosa, o ser humano sai purificado, liberando forças e criatividade para uma vida mais vigorosa e cheia de renovado sentido.
A crise, certamente, contém muitos riscos, mas também muitas oportunidades, porque ela sempre purifica e liberta o núcleo de verdade presente nas práticas humanas em crise. Os cenários não são de tragédia, mas de libertação. É próprio do tempo de crise o questionamento dos fundamentos, a sensação de que algo vai morrer, se corromper e se diluir. Por outro lado, nasce a impressão de libertação, de alívio e de arrancada feliz para uma solução mais integradora de todos os elementos da vida.
Passar por uma crise é experimentar o que significa morrer e re-nascer. Mas, superada a crise, brota um foco de forças novas que capacitam suportar tudo. Todo aquele que superou uma crise se sente nova criatura. Respira aliviado. Está livre.
Por isso que as crises pertencem à vida; elas constituem um dado essencial da vida e das estruturas humanas. Não é algo que deva ser deplorado e evitado, mas explorado, assumido e exaurido em seu valor enriquecedor para novas formas de vida. Fora da crise a vida seria inautêntica porque sem problemas, sem questionamentos…
A situação normal do ser humano, pois, se define entre a crise e a superação da crise.
Nascer já é crise: o pequeno ser após nove meses de gestação esgotou as possibilidades oferecidas pelo útero materno. Surge um ponto crítico de ruptura; ele deixa o seio aconchegante da mãe e entra num mundo hostil a que deve enfrentar. A criança, ao nascer, passa pela crise mais aguda de sua vida: é empurrada de todos os lados, quase sufocada. Irrompe para um mundo mais vasto com novas e mais ricas possibilidades de vida. Onde há vida há crise de nascimento, de crescimento, de madureza, de velhice e a grande crise da morte.
Nos momentos de crise vive-se com especial intensidade o “kairós” (momento de graça), onde o essencial surge com mais clarividência. Tudo o que é acidental, periférico, empalidece em sua consistência e validade. Busca-se o cerne do problema que nos possa alimentar e assim superar a crise. Daí as tensões que se verificam no tempo de crise: a dramaticidade, o desafio e o perigo. Mas também a chance de vida nova num outro nível e dentro de um horizonte mais aberto. Se compreendermos que a crise é o nicho generoso onde se prepara o amanhã, então teremos a oportunidade de amadurecer e de dar um salto para dentro de um horizonte mais rico de vida humana e divina.

Textos bíblicos: Jo 6,52-71; Mt 10,34-42.