Retiro “A arte de cuidar com resiliência”. Dia 18
17 de novembro de 2020

14 – As perguntas inquietantes que nos habitam

“A resposta é a desgraça da pergunta”
(Blanchot)

A Pedagogia Inaciana é feita de perguntas; ela nasce da relação acompanhante-exercitante, cuja presença é interrogativa. O acompanhante não oferece respostas, mas motiva o exercitante à busca.
Através de perguntas ele sacode a criatividade no exercitante, desperta-o para aquilo que é mais nobre nele, reacende a resiliência que estava abafada em seu interior.
Percebemos, nos diferentes ambientes cotidianos, que há muito mais “respostas” que “perguntas”, muito mais “cabeça” que “coração”, muito mais “mente” que “corpo”, muito mais “ciência” que “arte”, muito mais “trabalho” que “vida”, muito mais “exercícios” que “experiências”, muito mais “hemisfério esquerdo” que “hemisfério direito” do cérebro, muito mais “tristeza e tédio” que “alegria e entusiasmo”…
Vítima do vírus do consumo, também a vida cristã consome de tudo sem que aproveite de quase nada.
Um ambiente que continua vazio de sonhos, de ternura, de buscas, de humor, de alegria e criatividade…, não torna as pessoas mais resilientes e nem as prepara para resistir a situações altamente adversas, agressivas e violentas que a vida certamente lhes irá colocar. É preciso motivar as pessoas a imaginar, a refletir, a perguntar e a questionar-se… e não a responder às perguntas colocadas pelos outros, cujas respostas se reduzem a reproduzir simplesmente o “status quo” da sociedade.
Perguntar e responder são atributos do ser humano. Ele se define mais pelo perguntar do que pelo responder. “Perguntar” é buscar; é despertar a capacidade de se deslumbrar diante deste mundo fenomenal que somos nós e diante desta realidade que nos circunda. O momento é de tecer perguntas onde há mais respostas formatadas e fechadas.
O perguntar é ousado; perguntar contém desafio, provocação; leva dose de irreverência. A pergunta é movimento; com as perguntas fazemos história, e a história é abertura para a aventura.
De fato, habitamos nas perguntas. Viver à escuta das interrogações nos mantém despertos no caminho.
São as perguntas que suscitam em nós o assombro frente à riqueza da realidade, a preocupação frente o drama da humanidade, a disposição frente ao futuro…, exigindo-nos assim viver continuamente numa atitude de escuta. “O ser humano é um enigma, o ser humano é uma pergunta”.
A mediocridade das respostas formatadas paralisa e fecha as portas às novas possibilidades.
As perguntas, ao contrário, são o fio de ouro em meio ao cascalho que mobilizam o garimpeiro a buscar sem cansar. As respostas cortam o movimento, atrofiam a curiosidade, matam a criatividade e o espírito de aventura; elas impedem a mobilização dos recursos interiores da pessoa na construção do seu projeto, levando-a à apatia e à acomodação.
“Ter paciência com tudo que há para resolver em seu coração e procurar amar as próprias perguntas como quartos fechados ou livros escritos num idioma muito estrangeiro. Não busque respostas que não lhe podem ser dadas, porque não as poderia viver. Pois trata-se precisamente de viver tudo. Viva por enquanto as perguntas. Talvez depois, aos poucos, sem que perceba, num dia longínquo, consiga viver a resposta”. (Rilke).
Urge, pois, implementar e desenvolver, na vivência cristã, hábitos, processos, que nos ajudem a sermos mais resilientes através das perguntas que abrem acesso às reservas interiores de criatividade e imaginação, frente aos desafios cotidianos.
“O que enlouquece é a certeza, não a dúvida. É do caos que nasce uma estrela” (Nietzsche)
Há uma tradição segundo a qual o jesuíta só responde a uma pergunta com outra pergunta.
De fato, a experiência dos Exercícios reacende as grandes “interrogações existenciais” que não calam – “quem sou eu? de onde vim? quê devo fazer? – sem apresentar uma resposta fechada. Ela desperta no exercitante uma contínua busca, sintetizada na expressão inaciana: “buscar e encontrar a Vontade divina”.
A índole interrogatória é traço típico da espiritualidade inaciana; não são perguntas para começar a caminhar, mas para não parar; são perguntas de “conversão”, de mudança, que abrem para o futuro, para o novo… A pergunta é movimento, é vida… e suscita resposta viva, criativa, surpreendente… e inesgotável.
Pergunta que se torna “hábito do coração.
“Quê devo fazer?” é a pulsão, a pulsação que procura e impulsiona para o novo.

Textos bíblicos: Lc 10,25-37; Atos 22,6-11.