Retiro “A arte de cuidar com resiliência”. Dia 1
31 de outubro de 2020

Santidade: um “caso de amor” com a vida

A Igreja Católica, neste primeiro dia de novembro, celebra a festa de “Todos os Santos e Santas”; esta é a festa de todos os amigos de Deus, mulheres e homens que nos precederam e que deixaram sua “marca” na vida de tantas pessoas, melhorando uma parte do mundo. Damos graças a eles e elas por terem sido portadores da vida de Deus: de sua herança herdamos, com sua voz cantamos, de sua presença inspiradora nos alimentamos, de sua vida recebemos Vida, com Aquele que é o Deus dos Vivos.
Na celebração deste dia não temos de pensar somente nos “santos e santas” canonizados, nem naqueles que viveram virtudes heroicas, mas em todos os homens e mulheres que descobriram a marca do divino neles, e sentiram-se impulsionados a viver com intensa humanidade. Os santos foram e são humanos por excelência. E a plenitude do humano só se alcança no divino, que já está presente em todos nós. Não se trata de celebrar os méritos de pessoas extraordinárias, mas de reconhecer a presença de Deus, que é o único Santo, em cada um de nós.
Nesse sentido, ao invés de dizer “todos os santos e santas”, estabelecendo uma diferença entre os seres humanos, podemos afirmar “Todos santos!”. Para Deus não há diferença alguma, porque na Sua Santidade Ele nos ama a todos igualmente. Assim, no chamado à santidade, aspiramos somente a ser cada dia mais humanos, ativando o amor que Deus derramou em nosso ser.
Na vida de um santo, mais que contemplá-lo na sua glória, é bom considerar sua caminhada para a santidade: é o Espírito do Senhor que o conduz.
Um santo é a “irrupção” original e única do Espírito de Deus. Uma maravilha sem comparação que invade a história e permite que seja dito o Indizível e experimentado o Transcendente.
A presença de um santo ultrapassa nossa estatura. Algo “maior” se levanta, seduzindo-nos, atraindo-nos e surpreendendo-nos. Uma referência se apresenta à consciência das pessoas e das comunidades.
Os santos são personagens de limiar, de fronteira…; eles vislumbram o novo, a outra margem… são pessoas de atitude “ex-cêntrica”: é sempre o Outro quem os conduz. O heroísmo deles é “deixar-se conduzir”, deixar que se manifeste a força divina ali onde é maior e mais evidente a fraqueza.
“Sejam santos, porque Eu sou santo” (Lev 11,45)
Esta é a vocação fundamental à qual somos todos chamados, enquanto seguidores de Jesus Cristo. Ser santo é ser dócil para “deixar-nos conduzir” pelos impulsos de Deus, por onde muitas vezes não sabemos e não entendemos. Seus caminhos não são os nossos caminhos.
Este “deixar-se levar” pela mão providente de Deus é uma ousadia.
Na vida espiritual a liberdade tem que ser ousada, mas a maior ousadia é “deixar-se levar”.
Ser santo é “arriscar-se” em Deus. É privar-se das humanas certezas em nome da Sua Verdade. É excluir-se das seguranças e estabilidades do mundo.
Por isso a santidade é surda aos critérios do mundo, ao cálculo utilitarista…; não sucumbe às idolatrias do progresso a qualquer custo, da eficiência, da produtividade… Ela navega no oceano da gratuidade, da compaixão, da solidariedade…
O modo de proceder do santo no mundo é imagem fiel do modo de proceder do próprio Deus, que é princípio e garantia da Verdade, do Bem, da Justiça, da Misericórdia, da Compaixão…
Ser santo é ter a audácia de reinventar o humano; é resgatar a paixão por um ideal irrecusável; paixão rebelde e inquieta diante dos fatos; paixão pela vitória da esperança; paixão pelo sonho de melhorar a si mesmo e o mundo; paixão pelo futuro; enfim, ser santo é ter capacidade ilimitada de paixão.
O seguimento de Jesus pede uma nova forma de santidade: a santidade da vida comum, da resposta à Providência divina em meio às rotinas do tempo, uma caridade tecida nos pequenos gestos…
Surge, então, a imagem de um santo que é filho do momento e da situação presente, cujo agir se processa no mundo em que está encarnado. O santo é aquele que, na “loucura santa”, revela uma pulsão de vida para com o mundo; é um biófilo (amigo da vida); é um cooperador, agindo sob o primado da escuta da Palavra de Deus dita na e pela situação cotidiana.
Não é o trivial ou o excepcional que distingue a santidade do ato: o que importa é sua sintonia à Vontade de Deus expressa na situação concreta. O importante é verificar qual é a intenção, qual é a motivação que está por detrás de cada ato, de cada atividade: para quê? para quem?…
Deus colocou no coração de cada pessoa a busca da santidade. Uma busca que se experimenta como impulso vital, sopro do Espírito, aqui e agora, nas circunstâncias concretas da vida.
Nesse sentido, santos e santas são os portadores de vida, homens e mulheres que buscam viver intensamente; que acolhem a vida e a expandem, que bebem do prazer da vida e que ajudam os outros também a beberem, sabendo que a vida é dom, presente que compartilhamos, todos, no mundo. São pessoas em cujo entorno se desatam correntes de vida, esperança, alegria de viver, reconciliação e amor.
“Os santos, como os poetas, vivem de encantamentos…” encantados com a vida, com a beleza, com a verdade…
Perguntaram a uma criança de 7 anos quem eram os santos. Ela deu uma resposta magistral: “Um santo é quem deixa passar a luz”. Sem dúvida, em sua imaginação estavam presentes os vitrais da Igreja onde sua mãe a levava. É evidente, os santos deixam passar a luz de Deus para nós. Essa transparência é sua santidade.
Os santos são pessoas humanas que nos mostram o que se pode atingir quando nos abrimos à luz de Deus, à maravilhosa “influência divina”, à potencialidade de seu Reino.
Santidade é dizer sim à vida. Experimentamos isso quando nos submergimos na vida, quando crescemos nela, buscando, saboreando até o final o que ela nos oferece em cada circunstância. Nunca alheios à vida, nada desprezando, nada lamentando. Esta concepção da Santidade des-vela um modo de viver que nos converte em irmãos das pessoas, da Criação e filhos de Deus.
A santidade não é um programa. É uma experiência de vida, um modo de estar no mundo a partir da confiança numa promessa. Enraizado na fé-confiança na pessoa e promessa de Jesus, o chamado à santidade propõe um estilo próprio de vida aberta e expansiva: uma maneira alegre, pacífica, compassiva, responsável e generosa de se fazer presente neste mundo onde são centrais o cuidado de todo o vivente e o trabalho em favor da justiça.
Convida-nos a transformar o que, com frequência, é terra hostil ou deserto inóspito em um mundo mais humano e em um lar habitável.

Texto bíblico: Mt 5,1-12a

Na oração: As bem-aventuranças não são leis para simplesmente evitar o mal, mas o potencial divino que, criativamente, estende a todos os lugares a Bondade e a Beleza. Expressam de modo conciso e explícito o coração mesmo de Jesus e seu desejo ardente de contagiar a todos os que se encontravam com Ele.
Nas Bem-aventuranças Jesus proclama que o verdadeiro segredo para uma humanidade totalmente re-criada é a força do amor e da misericórdia, cimentadas no comum denominador da humildade. Aqueles que percorrem o caminho de sua vida guiados pelo espírito das bem-aventuranças são os santos.
– Como ser presença visível das Bem-aventuranças no seu cotidiano?