Reflexão dominical
11 de janeiro de 2020

Batismo: “deixar-se conduzir pelo espírito”

 

“O céu se abriu e Jesus viu o Espírito de Deus descendo como pomba…” (Mt 3,16)

 

Começamos o Tempo Comum do ano Litúrgico, seguindo o evangelista Mateus (Ano A). Ao longo de todo o ano vamos tendo acesso aos mais importantes acontecimentos da vida pública de Jesus. E o primeiro fato importante desse caminho é seu batismo no Jordão por João Batista.

Sem dúvida foi um momento decisivo para Jesus: sua vida se alarga e, tomado pelo Espírito, parte para sua missão de evangelizador dos pobres e libertador do mundo. O batismo de Jesus foi também muito importante para os primeiros cristãos que tentavam compreender sua vida e milagres; o batismo deixa claro que o motor de toda a trajetória humana de Jesus foi obra do Espírito.

Jesus “desce ao Jordão”; esse deslocamento revela, mais uma vez, o realismo da Encarnação: Jesus “desce” e afunda os pés na humanidade ferida. Com o seu batismo Jesus “entra na fila dos pecadores” e faz uma experiência única: os céus se abrem e Ele vê claro o que Deus espera dele. Fiel ao Espírito, faz uma mudança radical em sua vida e se dispõe a pregar o Reino de Deus. A partir deste momento, abandona sua vida em Nazaré e dedica todo seu tempo ao anúncio e realização da Boa Nova. Começa sua vida pública.

Os evangelhos fazem constante referência ao Espírito para explicar quem é Jesus: “Concebido pelo Espírito Santo”; “Nascido do Espírito Santo”; “Desce sobre ele o Espírito Santo”; “Ungido com a força do Espírito”; “Eu batizo com água, Ele vos batizará com Espírito Santo e fogo”; “O Espírito é o que dá a vida”; “O que nasce da carne é carne, o que nasce do Espírito é Espírito”.

A alusão aos céus que se abrem definitivamente, é a expressão de uma esperança de todo o AT. A distância entre Deus e o ser humano fica superada para sempre. Os céus estavam “fechados”. Uma espécie de muro invisível parecia impedir a comunicação de Deus com seu povo. Ninguém era capaz de escutar sua voz. Já não havia profetas. Ninguém falava impulsionado por seu Espírito.

Finalmente, em Jesus, o encontro com Deus tornou-se possível. Sobre a terra caminhava um homem cheio do Espírito de Deus. Esse Espírito que desce sobre Ele é o Sopro de Deus que cria a vida, a força que renova e cura os viventes, o amor que transforma tudo. Por isso Jesus se dedica a destravar a vida, a curá-la e fazê-la mais humana.

Jesus não é um sacerdote do Templo, consagrado para cuidar e promover uma religião. Do mesmo modo, ninguém o confunde com um mestre da Lei dedicado a defender um legalismo estéril. Os camponeses e pobres da Galiléia veem em seus gestos e em suas palavras de fogo a atuação de um homem movido pelo espírito profético: “Um profeta grande surgiu entre nós”. Jesus, como os profetas de Israel, não faz parte da estrutura política nem do sistema religioso. Não é nomeado por nenhum poder. Sua autoridade não vem da instituição, não se fundamenta nas tradições religiosas. Provém de sua experiência de Deus, empenhado em guiar seus filhos e filhas pelos caminhos da justiça.

Segundo a mentalidade bíblica, este Espírito faz Jesus viver a partir do alento vital de Deus, cheio de seu amor e de sua força criadora, movido a libertar, transformar e potenciar a vida.

É este mesmo Espírito que há de alentar aqueles que seguem os passos de Jesus.

Deixando-se conduzir pelo Espírito, Jesus se encaminha para a plenitude humana e, dessa maneira, nos marca o caminho de nossa própria plenitude. Mas temos que ser muito conscientes de que só nascendo de novo, nascendo da água e do Espírito, poderemos desatar todas as nossas ricas possibilidades humanas. Não seguindo a Jesus a partir de fora, como se se tratasse apenas de um líder, mas entrando, como Ele, na dinâmica de vivência interior, movido pelo Espírito.

“Descer” com Jesus ao Jordão para sermos batizados é “descer” em direção à nossa própria humanidade e ser solidário com a humanidade de todos. Ao fazer, junto com Jesus Cristo, o caminho da “descida”, o ser humano vai ao encontro de sua realidade e coloca-se diante de Deus para que Ele transforme em amor tudo quanto existe nele, para que ele seja totalmente perpassado pelo Espírito de Deus.

O “subir”  até Deus passa pelo “descer”  até às profundezas da própria realidade pessoal.

Toda pessoa possui dentro de si uma profundidade que é seu mistério íntimo e pessoal.

“Viver em profundidade” significa “entrar” no âmago da própria vida, “descer” até às fontes do próprio ser, até às raízes mais profundas; é “descendo” ao Jordão interior que poderemos revitalizar a vida que se tornara vazia e ressequida.

Quem “desce” até sua própria realidade, até os abismos do inconsciente, até a escuridão de suas sombras, até a impotência de seus próprios sonhos, quem mergulha em sua condição humana e terrena e se reconcilia com ela, este sim, está subindo para Deus, faz a experiência do encontro com o Deus verdadeiro e escuta a mesma voz que Jesus escutou: “Este é o meu filho amado, no qual eu pus a minha afeição”.

É no “eu mais profundo”  que as forças vitais se acham disponíveis para ajudar a pessoa a crescer dia-a-dia, tornando-a aquilo para o qual foi chamada a ser.

O ser humano é torrente de riquezas, é expressão de vida, êxtase, paixão, criatividade, impulso vital… Aberto à criatividade do Espírito ele é capaz de alçar longos voos, de extrair ousadia de seu medo, de romper seus estreitos lugares…

Aquele que se deixa conduzir pelo Espírito faz-se “peregrino” do Absoluto. O ser humano é itinerante por essência; ele “abre suas asas” quando matura suas potencialidades, multiplica suas capacidades, extrai riqueza e criatividade das profundezas de seu ser… No seu Batismo ele realiza a grande Passagem, deixando seu estreito território e enveredando pela terra que “mana leite e mel”.

Deixa o território da apatia e da neutralidade para o território da opção e do compromisso; deixa o território da mentalidade conservadora e atua no território da mentalidade inovadora; deixa o território que mantém aliança com a morte e caminha para o território que faz germinar múltiplas formas de vida; sai do território da rotina e da repetição e ativa o território que gera o diferente e o alternativo. Desloca-se do território da injustiça, violência e exclusão… Para o território da justiça, da solidariedade, compaixão…

Somos batizados para que o Espírito de Jesus possa ser nosso guia e nossa força nos dias de dúvida e de incerteza. Somos batizamos para que sejamos uma luz de esperança na noite angustiosa do mundo. Somos batizados para que sejamos uma gota de água no caminho da vida. Somos batizados para que possamos compartilhar com os outros a alegria e o amor que todos necessitamos. Somos batizados para que vivamos a esplêndida aventura de sentir-nos filhos de um Pai que nos ama desde sempre e para sempre.

 

Texto bíblico: Mt 3,13-17

 

Na oração: Para realizar-nos e desenvolver toda a nossa potencialidade, busquemos, na oração, cavar mais profundamente, até atingir as raízes de nosso ser, o núcleo original de nossa personalidade. É no mais íntimo de nós que o Espírito clama. É no mais profundo de nossa interioridade que sentimos o Sopro que nos faz criativos. Deixemo-nos invadir pela luz e pela vida d’Aquele que “do caos cria o cosmos interior”.

– Rezar o compromisso batismal, na Igreja e no mundo.