Oração de meditação
A meditação. É uma forma de oração discursiva que utiliza a memória, a inteligência e a vontade para aprofundar e assimilar um dado da fé, com vistas a torná-lo vida em nossa vida.
Inácio apresenta uma atividade sustentada pelas faculdades a partir de uma matéria proposta, cujo conteúdo deverá ser explorado, assimilado e aplicado de modo pessoal.
Ele usa o termo meditação para destacar o caráter mais discursivo do exercício, o que não impede que aconteçam “pausas”, mais ou menos prolongadas sobre um ou outro aspecto que atraia ou alimente mais.
O próprio S. Inácio prevê que esta atividade vai se simplificando, se unificando e se aprofundando à medida que se vai caminhando na oração.
Modo de proceder:
. Esmerar-se na introdução à oração (pôr-se em presença, fixar uma imagem interior do lugar ou do tema, pedir a graça).
. Dividir o tema da meditação em vários pontos, ou em duas ou três etapas.
. Em cada uma das etapas (sucessivamente, se necessário):
– aplicar minha memória ao tema escolhido;
– exercitar minha inteligência;
– mover meu coração, minha vontade.
. Terminar cada etapa ou tempo de oração falando ao Senhor o que aparecera na meditação.
- Aplicar minha memória: é o primeiro olhar do espírito sobre o mistério. É, portanto, um olhar orante, respeitoso. Uma simples vista das coisas, pela recordação, sua acolhida e abertura a esta história, a esta parábola, a tudo isto que Deus me apresenta e que vai usar como instrumento para se revelar.
Recordar cada uma das partes do assunto a meditar sem se preocupar com pormenores, para fornecer à oração um aprofundamento histórico.
Quê evoca em mim este ponto? A quê aspecto de minha história este ponto faz alusão?
Deixar que aflorem as imagens. Deixar que ressoe todo o alcance da história, trazer à memória os fatos, a realidade que conheço, recordando o que a Escritura diz sobre isso, ou o que conheço pela minha própria história (afetiva, corporal), em todo ser humano, na Igreja…
- Exercitar minha inteligência: esta se ocupa em detalhar o que a memória percorreu. Ela o fará de maneira orante, não como fria reflexão.
Quê é que entendo? Quê consequências se derivam deste ponto?
Refletir…Quando a memória evoca minha história e a realidade, a inteligência se põe a trabalhar para compreender melhor as ressonâncias, as implicações, as dimensões do mistério.
Recorrer à capacidade de comparar, de raciocinar, de assinalar as contradições ou as questões que este ponto estabelece em minha vida…
Assimilar, tornar pessoais os pensamentos lidos (quem? o quê? para quê? porquê? como?) de modo que o espírito fique convencido.
Confrontar a verdade meditada com a nossa conduta e desse confronto, tirar a base das resoluções.
- Mover meu coração, minha vontade: deixando-me afetar, implicar. À raiz desta meditação que deveria fazer ou dizer ao Senhor?
Influenciada pela inteligência que a penetra, iluminando-a com compreensões íntimas do mistério, a vontade desabrocha em amor, intimidade, plenitude do coração.
Revolver minha memória, sacudir minha inteligência em relação a este ponto e agora chega o momento de “tocar o coração”. Não se trata de fazer malabarismos com um artigo de fé, senão de seguir o Senhor mais de perto, sem tirar da fé suas dimensões interiores que são a memória e a inteligência. Já que o coração não se deixa levar por emoções sensíveis, a vontade entrará em jogo.
No coração se concentra tudo o que sou, em minha capacidade para decidir-me por Deus.
Movido pelo que recordei e compreendi, re-oriento-me, comprometo minha liberdade, por fidelidade ao Amor.
Isto é possível:
– “espontaneamente”: da meditação brota amor, agradecimento ou outros sentimentos e o digo ao Senhor de coração a coração;
– ou pela vontade: (desejos de desejos) de uma conversação mais radical, de uma decisão sobre um ponto concreto, ou de renovar minha fidelidade, ainda que não o sinta. Esta forma mais “voluntária” de seguir o Senhor mais de perto é tão verdadeira e proveitosa quanto a primeira.
Deixar que os afetos, provocados pelo exercício da memória e da inteligência se expandam.
Esta expansão é que constitui a oração.
– Neste momento a inteligência deve parar, suspender sua atividade porque atingiu o seu fim.
– Este movimento dos afetos pode acontecer durante toda a meditação, embora tenha este espaço onde deve ganhar em profundidade e extensão.
– Enquanto a vontade encontra alimento em um sentimento, ficar aí até que se sinta satisfeita.
– A inteligência só deve voltar a funcionar quando os atos da vontade começarem a se extinguir.
A etapa da vontade junta o coração à razão, a dimensão afetiva à dimensão racional. É esta etapa da vontade que dá sentido às duas etapas anteriores. Já na “aplicação da memória” e no “exercício” do entendimento, a pessoa deve ter presente que é na afetividade que esse “trabalho” deve desembocar.
É esta afetividade que dá à meditação o caráter de “exercício” segundo a concepção de S. Inácio: um esforço espiritual que tem consequências de vida.
Do saber ao sabor, do sabor ao sentir, do sentir ao decidir.
É a linha profunda da meditação inaciana.
No exercício das faculdades cabe à vontade e seus afetos o lugar mais importante.
É ela que orienta a oração para o fruto que se quer alcançar.
Conseguindo isto, S. Inácio recomenda uma grande liberdade. Ele mesmo, se recusa a direcionar.
O Espírito Santo que assume a oração é quem lhe vai dar o rumo, cabendo ao exercitante, entregar-se à sua ação, aberto e dócil às suas “moções”.
“No ponto da meditação em que achar o que quero, ali me repousarei, sem ter ânsia de passar adiante, até que me satisfaça”. (EE. 76).
Atenção!!!
Não se pode cortar em fatias a “memória, inteligência, coração, vontade”.
Falando das três potências em separado, S. Inácio não pretende estabelecer uma divisão interior na pessoa; trata-se, simplesmente, de uma divisão prática.
Logo, a meditação não deve ser concebida de maneira rígida, compartimentada, mecânica: 1º aplicação da memória; 2º aplicação da inteligência; 3º aplicação da vontade; colóquio e resolução.
Caso esta “compartimentação” aconteça, ela não é inaciana.
Cada um procure que sua meditação não fique em meras recordações (no passado) ou somente na cabeça, como tampouco em mera afetividade.
O mistério e a ação de Deus afetam nosso ser em sua totalidade.