Eucaristia, Oração pessoal e Partilha inaciana
29 de janeiro de 2020

Sal e luz, presença que faz a diferença

 

“Vós sois o sal da terra… Vós sois a luz do mundo” (Mt 5,13-14)

 

Jesus diz: “Vós sois”; não diz “deveis ser”, ou “tenhais que vos converter em…” “Sois”: expressão que se refere à existência toda do seguidor de Jesus, em qualquer circunstância e tempo. Quem segue a Jesus Cristo, afetado por seu chamado, torna-se plenamente convertido em sal da terra e luz do mundo.

“Sal da terra…, luz do mundo”: muitas vezes estas duas imagens foram entendidas em chave proselitista, de um modo sumamente atraente para o ego e gratificante para a mente.

Ao ego lhe atrai sempre considerar-se em posse da verdade, particularmente por dois motivos: porque isso lhe traz uma sensação de segurança e porque lhe permite manter uma imagem de si “acima” daqueles que, para ele, se encontram no erro. Ao ego lhe encanta ser “especial”, brilhar, aparecer… Ao ego lhe encanta que o reconheçam como “sal” e como “luz”, já que ele não busca outra coisa a não ser sentir-se reconhecido a qualquer preço.

Se permanecermos no clima das bem-aventuranças, cairemos na conta que a pessoa que é chamada a ser sal e luz não sai publicando por aí; ela é sal e luz não por suas ideias, doutrinas ou normas morais que busca impor aos outros, mas por ela mesma, por aquilo que ela é em sua interioridade.

Concretamente, é “sal” aquela pessoa que nos ajuda a saborear a vida com mais profundidade, porque seu gosto por viver nos contagia e nos apoia para que possamos experimentar isso também.

É “luz” porque, com sua presença amorosa, dissipa nossas obscuridades e facilita que percebamos o sentido luminoso de nossa existência, de nossa verdadeira identidade.

Ser “luz” e “sal”, portanto, é o mais radicalmente oposto a qualquer atitude de superioridade e de proselitismo. Nem a vaidade, nem o fanatismo trazem sabor e luz.

A vida de Jesus aparece como “sal” e como “luz” pelo que Ele era e vivia. Sua mensagem era sumamente simples, centrada no compromisso com todos e numa presença compassiva; afinal de contas, “sal” e “luz” é outro nome da compaixão. Jesus despertou um movimento humanizador, carregado de sabor e iluminação, afetando a todos que d’Ele se aproximavam. Ele não estava preocupado em fazer proselitismo, nem anunciar uma nova religião, uma doutrina mais palatável… Sua presença des-velava a luz e o sal presente em toda e qualquer pessoa.

“Vós sois o sal da terra…” “Vós sois a luz do mundo…”: constitui uma das afirmações evangélicas mais claras de que a missão dos seguidores de Jesus no mundo faz parte de sua própria identidade. Duas pequenas imagens ou afirmações para duas grandes atitudes.

As imagens do sal e da luz servem também de apoio para justificar duas formas diferentes de presença e de ação no mundo. A referência ao sal remete a uma ação invisível, pois concebe a presença dos cristãos no mundo sob a forma da encarnação, a presença silenciosa na realidade, a inserção na sociedade, deixando atuar, pelo testemunho de cada um, a força do evangelho que, como a semente, uma vez semeada, germina no campo, de dia e de noite, sem que o semeador perceba.

O específico da luz, por outro lado, é brilhar, ou seja, esta imagem realça uma forma de presença visível, através das ações comunicativas e, especialmente, do anúncio explícito, como meios para fazer chegar o evangelho ao mundo no qual o cristão é chamado a ser presença diferenciada.

De acordo com o texto, as formas de presença significadas pela luz e pelo sal são, as duas, inseparáveis. São duas formas de presença no mundo; duas formas de exercício da missão, de um modo de proceder que se dá por “contágio ativo”, caracterizado pela hospitalidade, o amor mútuo, a caridade para com os pobres, a alegria contagiante…

O símbolo da luz é ainda mais rico do que o do sal: a luz ilumina, aquece, guia, agrega, tranquiliza, reconforta. A Luz é força fecundante, princípio ativo, condição indispensável para que haja vida. Tem capacidade de purificar e regenerar. Em oposição às trevas, a Luz exalta o que belo, bom e verdadeiro.

Vivemos imersos num oceano de luz; carregamos dentro a força da luz. Ela sempre está aí, disponível; basta abrir-nos a ela com a disposição de acolhê-la e de fazer as transformações que ela inspira.

Pelo fato de ser benfazeja e criadora, a luz nos permite dizer com o poeta Thiago de Mello, no meio de impasses, ameaças e conflitos que pesam sobre nossa vida: “Faz escuro, mas eu canto”.

Há aqueles que, ao invés de serem presenças iluminadoras, estão mais preocupados em subir e ocupar a posição do candeeiro, para aparecer, para se colocar acima dos outros, serem vistos e elogiados pelas pessoas. Quem aspira estar no candeeiro revela não ter luz para iluminar os outros, mas uma luz auto-referente. O candeeiro não é para que os vejam; o candeeiro é para que a luz de suas vidas se expanda e ilumine melhor; o candeeiro não é para que estejam mais altos, mas é para que a luz de suas vidas chegue a lugares mais distantes.

O ser humano é luz quando expande seu verdadeiro ser, ou seja, quando transcende e vai mais além, desbloqueando as ricas possibilidades de humanidade. A luz, por si mesma, é expansiva.

Um fotógrafo profissional fez a seguinte afirmação: “minha profissão é escrever com a luz; muitos escrevem com letras, eu com a luz”. As fotografias dependem de como a pessoa administra a luz.

Uma preciosa motivação a buscar a luz dentro de nós mesmos, a buscar esse “retrato interior” que é movido a se expor diante dos olhares dos outros. Nossa vida pode ser apaixonante se a contemplamos e a construímos como um diálogo de vida e de luz.

O salmista utilizará um registro parecido, contemplando nosso espaço interior como uma fonte de luzes; uma fonte que deixa transparecer aquela Luz profunda que nos leva por caminhos de paz e serenidade:

Pois em Ti está a Fonte da vida e à tua Luz vemos a luz” (Sl 36,10).

Deixemo-nos iluminar pela Luz de Deus, levemos a Luz nas nossas pobres e frágeis mãos, iluminando os recantos do nosso cotidiano.

Somos uma “sarça ardente” diante dos outros, consumindo-nos constantemente, no humilde serviço; somos uma lamparina humilde, brilhando na janela da nossa pobre casa, indicando aos outros o caminho da segurança e do aconchego.

 

Texto bíblico: Mc 4,21-25

 

Na oração: Sinto-me uma lâmpada com a responsabilidade de iluminar no meio da sociedade?

– Quê atitudes e comportamentos meus projetam luz para potenciar a tímida luz presente no outro?

– E quais projetam sombras, para poder erradicá-las? Na família, no trabalho, na comunidade cristã?

– Estou integrado ou devo integrar-me em alguma comunidade, grupo ou movimento eclesial, para ser luz coletivamente?  A quê compromissos concretos o Espírito me impulsiona pessoalmente e à nossa comunidade para ser luz em nosso entorno?