Eucaristia, Oração pessoal e Partilha inaciana
22 de janeiro de 2020

A autoridade terapêutica de Jesus

“E Ele curou muitos doentes de diversas e enfermidades…” Mc 1,34

Nos Evangelhos, Jesus aparece particularmente atento à realidade dos enfermos que saem ao seu encontro ou que são levados até Ele; Ele se comove e se compadece dos sofredores, situa-se no lugar destes e sente como própria a dor deles, tem consciência que a enfermidade, qualquer que seja sua gravidade, diminui a vida humana, a restringe em suas possibilidades de relação plena consigo mesmo, com os outros e também com Deus.
Pela sua Encarnação, Jesus “desce” ao mais profundo da condição humana, até o extremo da dor, da doença, da exclusão…; pela sua presença junto aos mais marginalizados e sofredores Ele deixa clara sua missão: “aliviar a dor humana”. Jesus é um bió-filo (amigo da vida), pois revela um especial cuidado e zelo pela vida, seja da natureza, seja do ser humano.
Em Marcos, encontramos uma estreita relação entre evangelizar e cura dos enfermos. A evangelização mesma tem um evidente efeito terapêutico. É visível o amor com que Jesus se entregou aos enfermos e marginalizados, devolvendo-lhes a dignidade pessoal. “Jesus evangeliza fazendo-se presente ali onde a vida aparece mais ameaçada, deteriorada e inclusive fracassada e aniquilada” (Pagola)
Jesus assumiu uma estratégia terapêutica de “inclusão”, que buscava fazer emergir o ser humano sadio.
Contemplar Jesus e sua atitude diante das pessoas é perceber um sinal indicativo que nos mostra onde está Deus e onde devem situar-se seus seguidores.
A dor dos pequenos e humilhados é sua causa, seu destino e seu lar. Jesus sabe e mostra em sua ação curativa que não são as leis que importa ao Pai, mas a ação que visa aliviar o sofrimento das pessoas.
Na sua missão, Jesus mostrou que o mais urgente é remediar o sofrimento daqueles que carecem de uma vida digna e plena. Pois o Deus que Ele nos revelou não é o Deus que nos complica a vida com normas e leis, senão o Deus que se humanizou para humanizar nossa vida. E assim nos indicou que só na medida em que nos fazemos mais humanos, nos fazemos mais semelhantes a Ele, aliviando o sofrimento humano, comprometendo-nos com os que sofrem, até identificar-se com eles.
É importante salientar que a autoridade de Jesus não é uma “autoridade doutrinal”, para afirmar verdades e condenar erros, senão que se trata de uma “autoridade terapêutica”, para curar doenças e aliviar o sofrimento humano. Jesus, submergindo-se no mar da dor, assume o infortúnio dos inocentes, dos perdedores, das vítimas; em vez de fustigar os pecadores para que tivessem consciência do iminente juízo divino, Ele se dedica a curar enfermos, a socorrer os pobres, a acolher a multidão marginalizada, a conviver com pessoas de má conduta, a emocionar-se com ternura visceral diante das pessoas simples que, a juízo dos dirigentes religiosos, não conheciam a Lei e estavam excluídas da salvação.
O decisivo aqui é compreender que o Reino de Deus, no ministério de Jesus, se relaciona com o sofrimento humano. Quando Jesus anuncia a proximidade do Reino de Deus não se refere ao castigo, nem à ameaça ou juízo, mas à vida e à esperança.
Quando os Evangelhos revelam como Jesus proclamava a proximidade do Reino, afirmam que isso estava unido à cura dos males e enfermidades do povo (Mt 4,23-24; Mt 9,35-36).
Aqui não se faz menção nem de pecados, nem de juízo, nem de ameaça alguma.
Jesus não estava preocupado com os pecados, o juízo e o castigo de Deus. O que Jesus sentia, ao ver a multidão, era compaixão profunda, que o impulsionava a curar os males e enfermidades, as doenças e sofrimentos daquele povo desamparado.
Sua atuação compassiva é uma atuação a partir da radical gratuidade.
Tudo se resume em dar vida, erradicar as dores, devolver a dignidade aos que a perderam.
Jesus, em seu ministério terapêutico, não pregou sobre a saúde, mas gerou saúde, transformando a vulnerabilidade em possibilidade, a fraqueza em força, a dor em alegria…: “passou fazendo o bem e curando a todos os oprimidos pelo diabo” (At 10,38).
“Therapeuo” é o verbo mais frequente no NT; junto com o substantivo “therapeía” expressam o duplo sentido de “cuidar” e “curar”. Sua presença e sua intervenção nos revelam o compromisso com a vida, a afirmação da dignidade e da sacralidade de cada pessoa, bem como a reintegração dos excluídos na comunidade humana.
Podemos definir a ação curativa de Jesus como “cristoterapia”: Ele é a fonte da vida e da saúde humana autêntica. A terapia é Ele mesmo.
“A terapia que Jesus põe em marcha é sua própria pessoa” (Wolf). Os relatos evangélicos revelam como a multidão procurava tocá-lo, porque d’Ele saía uma força que curava a todos (Lc 6,19).
Seguindo a Jesus, sentimo-nos chamados não só a levar ajuda direta às pessoas que sofrem, senão também a reconstruir as pessoas em sua integridade, reincorporando-as à comunidade e reconciliando-as com Deus. Nossa missão encontra sua inspiração no ministério terapêutico de Jesus.
“Cuidar” e “curar” implica uma atitude “kenótica”, porque exige esvaziamento de nós mesmos para deixar o “mistério” do outro encontrar abrigo no nosso coração. “Cuidar” de alguém é cuidar do que é saudável nele, porque é a partir desse estado de saúde que se poderá integrar e curar as feridas e fragilidades do outro. O cuidado mobiliza e potencia os recursos presentes no outro; é preciso despertar a consciência que todo ser humano tem reservas de riquezas, criatividade, inspiração, intuição…, e que toda pessoa precisa encontrar uma presença capaz de ativar e despertar o seu mundo interior.
O cuidado é gesto amoroso para com o outro, gesto que protege e traz serenidade. Cuidar é envolver-se com o outro, mostrando zelo e preocupação. Mas é sempre uma atitude de benevolência que quer estar junto, acompanhar e proteger. Quer conhecer o outro com o coração e não com a cabeça.
Pelo cuidado aproximamo-nos dos outros para entrar em comunhão com eles, responsabilizar-nos pelo bem-estar deles e socorrê-los no sofrimento.
Se a vida pôde surgir num contexto de cuidado, é pelo cuidado permanente, ao largo de todo o tempo em que existir sobre a face da terra, que a vida se mantém e se plenifica.
Por isso precisamos do espírito de gentileza e ternura para captar e sentir o outro como outro, como original, para acolhê-lo na sua diferença. O amor é a expressão mais alta do cuidado, porque tudo o que amamos também cuidamos. E tudo o que cuidamos é um sinal de que também amamos.

Texto bíblico: Mc 3,7-12
Jesus, o biófilo, tocou as “vidas feridas” com delicadeza e ternura e as transformou. Seus gestos terapêuticos foram o prolongamento da ação criativa de Deus; com palavras e ações Ele inaugurou no meio de nós o Reino de Vida do Pai. Não só optou pela vida e se comprometeu com a vida, mas fez de sua Vida uma entrega radical a favor da vida.
De fato, para Jesus, o primeiro é a vida e não a religião. Ele tomou partido da vida, contra aqueles que, a partir da religião, cometiam todo tipo de agressão contra a vida.
Jesus se deixou conduzir pelo Espírito do Senhor para aliviar o sofrimento humano, levar a Boa Nova aos pobres, devolver a vista aos cegos, dar a liberdade aos presos e oprimidos, dar vida àqueles que tinham a vida massacrada ou diminuída, devolver a dignidade da vida àqueles que eram encurvados pelo peso da opressão e do legalismo.