Eucaristia, oração e partilha inacianas
18 de setembro de 2019

A perfeição afasta

A misericórdia aproxima

 

“Os muitos pecados que ela cometeu estão perdoados, porque ela mostrou muito amor” (Lc 7,47)

 S. Lucas, o evangelista da misericórdia, não explica como uma mulher pecadora, conhecida de todos, conseguiu entrar na casa de Simão, justamente no momento mais íntimo de uma ceia com Jesus.

No entanto, a entrada brusca daquela mulher deixa transparecer o transtorno e o desconcerto suscitados em Simão e nos outros convidados.

O relato de Lucas põe em confronto duas maneiras diferentes de reagir perante a “mulher pecadora”: uma, de acolhida e proximidade; outra, de julgamento e distância.

De um lado, os olhares questionadores dos convivas se voltam para Jesus, convidado de honra para a ceia; de outro, a atenção repreensiva concentra-se sobre a mulher pecadora, que ousou entrar no recinto sem pedir licença. O fariseu preocupa-se com a presença de uma pecadora em sua casa, e, além disso, fica desiludido a respeito de Jesus, que considerava profeta e mestre. Fica chocado com o fato de que Jesus se deixar tocar por uma prostituta.

Enquanto isso, entre o Mestre e a mulher se instaura uma surpreendente compreensão e acolhida; ela, sem se preocupar com nada e nem com ninguém, aproxima-se do protagonista do banquete: Jesus. Dirige-se a Ele e curva-se a seus pés, banha-os com suas lágrimas, enxuga-os com seus cabelos e perfuma-os com o óleo precioso que levava consigo.

Todos os seus gestos levam a intuir que algo de extraordinário havia acontecido em sua vida.

Jesus, por sua vez, sem expressar um mínimo de censura, permite àquela mulher realizar o que seu coração lhe sugeria; certamente ela O estava seguindo de longe, havia algum tempo, esperando uma oportunidade especial para aproximar-se d’Ele.

Silenciosamente, abandona-se à eloquência de seus gestos, que iam além de qualquer palavra, que expressavam o envolvimento de toda a sua vida na nova relação, criada em seu coração pela presença de Jesus.

De fato, a pecadora, mesmo sentindo-se condenada por Simão e pelos seus amigos, encontrou e descobriu, nas palavras e na pessoa de Jesus, de modo novo e fascinante, o rosto misericordioso de Deus, a ponto de sentir seu abraço paterno.

Ela sentiu-se seduzida por Jesus, o “justo”, o amigo dos publicanos e dos pecadores.

O modo como Jesus se coloca em relação com a pecadora permite a esta mulher fazer da sua vida de erros um trampolim para a sua humanização.

Jesus não contabiliza os pecados, porque esta mulher demonstra com seus gestos o quanto ama. Jesus não classifica as pessoas em puros e impuros. Ele abraça a realidade em sua totalidade, integrando-a.

O passado da pecadora não cria obstáculos à aceitação de sua conduta presente.

Os erros, os “numerosos pecados” da prostituta parecem agora libertá-la, dispondo-a a uma experiência de compaixão profunda por si mesma.

Ela acolhe e celebra a vida em sua totalidade. A aceitação restabeleceu sua vida. Não foi o passado de erros que determinou a atitude de Jesus para com esta mulher, e sim sua conduta no presente.

Jesus tem um coração expansivo, voltado para todas as direções, onde quer que se encontre a realidade limitada e frágil. O encontro com Ele não desperta sentimentos de culpa; as pessoas podem retirar-se em paz. Jesus faz da misericórdia o verdadeiro evento divino. Nele, a misericórdia torna-se o elemento constitutivo não só do divino, mas também do humano.

Na casa de Simão, aquela mulher não fala e não mostra o seu rosto. Mas, seus gestos manifestam a onipotência do amor daquele Mestre que, como verdadeiro profeta, sabe ler no fundo do coração das pessoas que encontra.

Nas lágrimas daquela mulher brilha a predileção de Jesus pelos pobres e pecadores; nos seus cabelos se nota a ternura envolvente do Mestre; no perfume derramado em seus pés, experimenta-se a nova parábola da gratuidade do amor insaciável de Deus, sem condições e sem exigências.

Enquanto os comensais não entendem a ternura e a acolhida de Jesus para com a pecadora, a mulher, ao contrário, conhece o mistério inefável do amor e abandona-se a ele.

Libertada de seus pecados e amada, a mulher deixa a casa de Simão, levando consigo no coração um dom inesperado: o perdão, que a inunda de paz e alegria. A pecadora, atraída pelo amor terno e misericordioso de Jesus, finalmente experimenta a gratuidade e a doçura do perdão para consigo.

A pecadora muda a sua vida quando percebe ser amada por um amor envolvente, gratuito, antecipado.

Assim, ela se torna uma nova parábola da ternura e da misericórdia.

Por outro lado, Jesus desvela a maneira medíocre de amar do fariseu, desprovido de piedade e calculista no julgamento. O fariseu perfeito tem comportamento frio, legalista, insensível, indiferente, rígido.

O perfeccionista é um ser anestesiado. Severo consigo mesmo, exigente e rigoroso com os outros. Aquele que procura a perfeição não só se distancia dos outros como também se distancia de si mesmo.

Não há perfeccionista que não seja inquisidor, nem inquisidor que não seja perfeccionista.

A tendência à perfeição oprime a pessoa até sufocá-la; sendo excessivamente exigente, oprime e sufoca também os outros. Por isso, a tendência à perfeição é uma doença do espírito, um eu em conflito consigo mesmo. O perfeccionista vive uma batalha interior, uma batalha que jamais se vence.

Quem se deixa guiar pela ideia de perfeição, cedo se dará conta de que não poderá abraçar a vida. Permanecerá confinado num eu inchado e vazio, que caminha sobre pernas de barro.

É por isso que Simão, bom conhecedor e observante da Lei, sente um autêntico embaraço pela situação inesperada que se criou: um acúmulo de pensamentos, sentimentos e juízos agitam o seu coração.

A presença de Jesus cria-lhe problemas, coloca em risco o seu prestígio, a sua reputação.

Certamente, sua estima para com Jesus, considerado e admirado por todos, começa a diminuir.

Jesus capta o que o fariseu “estava refletindo” e narra ao anfitrião uma história cuja intenção é por em evidência um sentimento profundo, uma atitude compassiva.

Jesus tenta abrir, não a razão do fariseu, que já está aberta (“julgaste bem”), mas sim seu coração, que ainda está fechado. Jesus compartilha a experiência em que se sentiu pessoalmente “tocado” em profundidade. Ele pede um tipo de compreensão compassiva face ao que está ocorrendo frente a todos.

Simão, o fariseu, está presenciando algo que tem correlação com o Deus que Jesus anuncia.

A perturbação e o desconcerto do fariseu nascem no momento em que se dava conta da ternura e compaixão demonstradas por Jesus a uma pecadora.

Jesus ama Simão e a mulher por aquilo que são. Entre ambos, porém, a pecadora se sente mais amada e perdoada, mesmo sem ter nenhum merecimento.

 

Texto bíblico: Lc 7,36-50

 

Na oração: Quais são as “marcas da perfeição” impregnadas no seu interior pela formação familiar, pela religião, pela cultura…? É possível fomentar a auto-estima, desenvolver e realizar o melhor de si sem se ver preso pelo mecanismo da perfeição?

 

Filho de Deus, Jesus, tenho amor por Vós, um grande amor por Vós. E saudade. Me cura. Me dá o Espírito Santo. Será que nunca mais vou dar conta de escrever uma poética? Meu braço dói, deve ser reumatismo. Será que fico velha sem fazer aquele vestido?

“O homem da mão seca”. Adélia Prado