Cine Fórum – “Irmã Dulce”
9 de outubro de 2019

Filme: Irmã Dulce

por Amanda Aouad

 

Anjo Bom Bahia, assim era chamada irmã Dulce, a freira nascida como Maria Rita de Sousa Brito Lopes Pontes. Dedicou sua vida aos pobres, lutando, inclusive, contra as regras da Igreja. Sua obra se mantém viva até hoje no hospital que criou e muitos atribuem a ela verdadeiros milagres. Beatificada em 2011, segue-se a campanha para que se torne a primeira santa brasileira.

Mais do que esta história introdutória, irmã Dulce foi um ser iluminado que passou pela Bahia. Não há como explicar racionalmente algo que foi coração, que era para ser sentido. Vicente Amorim tenta passar isso, mas esbarra nessa necessidade expositiva, de explicar momentos históricos e encenar casos famosos como o cuspe na mão ou a reunião com o Governador do Estado. De qualquer maneira, Irmã Dulce, o filme, cumpre o seu objetivo.

Apesar de alguns flashes da infância, o filme se divide em duas fases. Em uma, a freira é interpretada por Bianca Comparato. Em outra, por Regina Braga. Aí, talvez resida um dos maiores problemas do filme. Regina Braga é uma excelente atriz, já interpretou diversos papéis e cumpre aqui, um projeto ok. O problema é que ela divide uma personagem tão característica com uma atriz que se entregou de corpo e alma a ela.

Bianca Comparato nos convence que é irmã Dulce. Na voz, nos gestos, no olhar, na postura. Um corpo frágil com um coração imenso e uma alma forte. Que conseguia as coisas sem precisar levantar a voz. Parecendo um bichinho acuado, mas de língua ferina. Quando muda de atriz, há uma diferença brusca. Inclusive no físico, já que Regina Braga não demonstra essa fragilidade corpórea.

Mas, isso não chega a prejudicar completamente a obra. Os momentos mais emocionantes da freira, inclusive, são com Regina Braga. E a dobradinha com Amaurih Oliveira, que faz o João, gera belas cenas. Como disse, o problema não é a atriz, que é boa, mas a comparação com um trabalho tão intenso feito por sua antecessora. E a comparação de ambas com a verdadeira Dulce.

Já o roteiro de L.G. Bayão e Anna Muylaert é feliz ao conduzir a vida da freira de uma maneira bem orgânica. Não sentimos a passagem do tempo de maneira brusca, como se fosse saltando a momentos específicos. A trama flui. A passagem de tempo que faz a troca de bastão de Bianca Comparato para Regina Braga, por exemplo, é belíssima e extremamente simples.

A trama foca em irmã Dulce e sua vontade de ajudar aos pobres acima de tudo. Acima da Igreja, da política e, as vezes, até da lei. É interessante o filme não se furtar a isso. Vemos ela invadindo uma casa para colocar doentes, fugindo do convento para ajudar pessoas, discutindo e negociando com políticos. Em vida, ela foi muito criticada por alguns por essas atitudes, houve quem a acusasse de demagogia, inclusive. Mas, este ponto não é tão aprofundado. Há mais sobre a eterna briga com a Igreja e suas regras da clausura.

No final das contas, o filme de Vicente Amorim mostra o que o povo quer ver. A luta da freira em prol do próximo, tal qual Jesus instruiu. E vai se criando uma aura especial em torno de sua figura. Um respeito, um fascínio, demonstrado em diversas cenas, inclusive quebrando barreiras religiosas. E depois de tanto “bater” na Igreja e suas regras, não deixa de ser instigante a escolha do ápice da trama que nos leva novamente a campanha de santificação. Mas, a maior vitória e o maior milagre de irmã Dulce foi mesmo seu exemplo e sua obra.