A paixão de Inácio pela Igreja
28 de outubro de 2019

A paixão de Inácio pela Igreja

Peter Hans Kolvenbach, SJ

 

Aqui estamos, de novo, junto a tumba de Santo Inácio. Ele pôde encarnar na sua pessoa as palavras do Evangelho que convidam a seguir Jesus perdendo a própria vida para reencontrar em Jesus, a verdadeira vida, para sempre. Santo Inácio não realizava, generosamente, as palavras de Jesus em sua vida privada, pois ele não podia conceber-se como pessoa fora da comunhão eclesial, fora da Igreja. Quando Inácio escreve sobre a Igreja, o faz considerando-a sempre na sua realidade de Esposa de Cristo, que vive com o seu Senhor, Esposo, um mistério de amor. Perder a própria vida para seguir Jesus significa portanto, para Inácio, renunciar os seus próprios projetos e suas próprias ideias, para colocar todo seu coração a serviço da Igreja que, nascida da chaga do lado do Senhor, só pode ser sua Esposa na medida em que partilha de sua paixão e de sua cruz para dar ao mundo a verdadeira vida que é o seu Esposo. Dentro deste espírito, Inácio não queira que a Companhia de Jesus trabalhasse pelo seu próprio bem-estar, mas que se empenhasse exclusivamente nos projetos e nas missões que a Igreja lhe confiaria por meio da vontade do Vigário de Cristo na Terra.

Perder a própria vida para seguir Jesus na sua Igreja tinha também para Inácio, um outro sentido distintamente doloroso. Como nós, também Inácio fez a crucificante experiência que, quanto mais um cristão ama a Igreja, tanto mais sofrerá pelas suas fraquezas, suas deficiências, seus erros e escândalos. É o amor à Igreja que nos faz sonhar com uma Igreja ideal, sem mancha nem ruga, sem nada de gênero, e que desperta em nós um zelo ardente pela pureza da Esposa de Jesus. Vivendo em um tempo, no qual a Igreja tinha verdadeiramente grande necessidade de uma reforma “de alto a baixo”, Inácio não se fechava em uma atitude crítica destrutiva, ásperos ataques e sempre negativos, mas mesmo reconhecendo – tinha os olhos abertos – a realidade obscura da Igreja do seu tempo, ele se punha amorosamente ao trabalho para reformar a si mesmo seguindo Jesus sempre mais de perto, e para ajudar em uma séria reforma de si mesmo, todos aqueles que o Senhor colocava em seu caminho, edificando assim, a cidade santa com pedras vivas da paixão do Senhor pela sua esposa, a Igreja. Inácio não se colocava fora da Igreja ou de lado, pois essa não era a Igreja do puro amor, do puro espírito. Convencido de que o seguimento do Senhor nunca será autêntico sem o amor à sua Esposa que é a Igreja, e sofrendo dolorosamente pela realidade demasiada humana da assembleia do Senhor, Inácio se identifica com ela, nisso que ela é por parte do seu Senhor e nisso que ela é por nossa parte, pobres pecadores. É justamente enquanto homem da Igreja que Inácio aprendeu a perder sua vida, a despir-se da honra de pertencer a uma comunidade de fé irrepreensível e perfeita para amar um Igreja que, constituída de santos e pecadores, de pessoas fortes e fracas, caminha fatigosamente e pacientemente através da obscuridade desse mundo que ela afronta, em direção à luz eterna, que é seu Esposo. Seguir Jesus significava para Inácio perder a própria vida por uma Igreja por todo canto desfigurada ou rechaçada. Inácio aprendeu do seu Senhor que, também para a Igreja não tem outro caminho da cruz e, recusar sofrer pela Igreja e pela sua causa é no fundo, se acovardar diante da cruz.

Que esta celebração eucarística nos obtenha um pouco da paixão de Inácio pela Igreja, que o Esposo quis toda resplandecente, santa e imaculada.

 

(homilia do Superior Geral da Companhia de Jesus, na festa de Santo Inácio (Roma 1993). O Evangelho comentado era Mt. 16, 24ss.)