29 – Silêncio: lapidador de palavras sábias
“O Verbo saiu do silêncio para nos reconduzir ao silêncio”
(Inácio de Antioquia)
Nosso mundo está repleto de “palavras”. Em todos os lugares aonde vamos somos cercados por elas: palavras murmuradas com suavidade, proclamadas em altas vozes ou berradas irritadamente; palavras faladas, recitadas ou cantadas; palavras em discos, em livros, em muros ou no céu; palavras de muitos sons, muitas cores ou muitas formas; palavras para serem ouvidas, lidas, vistas ou olhadas de relance; palavras que oscilam, se movem devagar, dançam, pulam ou se agitam.
Palavras, palavras, palavras! Elas formam o piso, as paredes e o teto de nossa existência.
Em um mundo desses, quem guarda respeito pelas palavras?
As palavras perderam o poder criador. Sua multiplicação ilimitada fez-nos perder a confiança nelas e muitas vezes nos levou a pensar: “São apenas palavras?” A palavra já não comunica, já não incentiva a comunhão, já não cria comunidade e, portanto, já não dá vida.
Como na música, o silêncio é o compasso de pausa, tempo indispensável para a escuta da palavra que chega e para a gestação da palavra-resposta.
O silêncio é a fecundidade da palavra. As palavras criam comunhão, e, portanto, nova vida, apenas quando personificam o silêncio do qual emergem.
A característica da solidão é o silêncio, assim como a palavra é a característica da comunhão. Entre silêncio e palavra estão presentes as mesmas ligações interiores que entre solidão e comunhão. Uma não pode existir sem a outra.
A palavra não atinge as pessoas barulhentas, ruidosas…, mas aquelas que se mantém em silêncio.
O silêncio no tempo é o sinal da santa presença de Deus em sua Palavra.
A “Palavra de Deus” nasceu do silêncio eterno de Deus, e é essa Palavra vinda do silêncio que queremos ser testemunhas. O silêncio é a morada da palavra e a ela dá força e fecundidade.
Podemos até dizer que as palavras têm o objetivo de revelar o mistério do silêncio do qual elas se originam. O silêncio prepara a palavra e constitui a fonte privilegiada do seu manancial.
A expressão “estar em peregrinação é estar em silêncio” exprime a convicção dos monges do deserto de que o silêncio é a melhor expectativa do mundo futuro.
O silêncio nos mantém peregrinos e nos impede de ficar emaranhados nos afazeres deste tempo.
O silêncio guarda o fogo do Espírito Santo que habita em nós.
O silêncio é a disciplina pela qual o fogo interior de Deus é cultivado e mantido aceso.
O silêncio oportuno é precioso, pois é nada menos que a mãe dos pensamentos mais sábios.
O silêncio nos ensina a falar. A palavra com poder vem do silêncio.
A palavra que dá fruto surge do silêncio e a ele retorna. Essa palavra nos faz lembrar o silêncio do qual ela vem e nos leva de volta ao silêncio.
A palavra que não está enraizada no silêncio é palavra fraca e impotente como “um metal que ressoa, um címbalo retumbante” (1Cor 13,1).
“A palavra tem peso quando se percebe nela o silêncio. O silêncio é o conteúdo secreto das palavras que o traduzem. Uma alma vale pela riqueza de seus silêncios” (D. Sertillanges).
Tudo isso só é verdade quando o silêncio, que dá origem à palavra, não é vazio e ausência, mas plenitude e presença, não é o silêncio humano do embaraço, da vergonha ou da culpa, mas o “silêncio divino” no qual o amor repousa em segurança.
Aqui vislumbramos o grande mistério do qual participamos pelo silêncio e pela Palavra: o mistério da “fala” de Deus. De seu eterno silêncio, Deus expressou sua Palavra e por meio dela criou e recriou o mundo. E na plenitude dos tempos, a Palavra de Deus se fez “carne” e deu poder a todos os que creem para se tornarem filhos de Deus.
O silêncio permite-nos pronunciar uma palavra que participa do poder criador e recriador da Palavra de Deus. Em tudo isso, a Palavra de Deus não rompe o silêncio de Deus, e sim revela a imensurável riqueza do silêncio divino.
O silêncio é, primordialmente, uma qualidade do coração que leva à caridade sempre crescente.
A palavra é sadia e constrói fraternidade apenas quando nasce da escuta e do silêncio. Por isso, é preciso saber cuidar da palavra, fazê-la florescer em toda a sua força e beleza, curá-la pela raiz através do silêncio.