Segunda semana dos exercícios
14 de abril de 2020

Segunda Semana dos Exercícios

S. Inácio sai da 1a Semana de seus próprios exercícios atraído pela pessoa de Jesus Cristo a quem sente como seu Salvador e Redentor. Não só deseja não tornar a ofendê-lo mais, mas quer segui-lo de perto. Seu mais ardente desejo é “conhecer Jesus” profundamente para poder amá-lo mais e segui-lo melhor. Meditando nas cenas do Evangelho desde a Encarnação até a Paixão e Ressurreição de Jesus, Inácio penetra profundamente nas “intenções” de seu Mestre, isto é, em seu espírito e em seus princípios, diametralmente opostos aos deste mundo: pobreza e humildade contra riqueza e orgulho.

Um resumo de tudo isto encontramo-lo no Sermão da Montanha (Mt 5,1-11) no qual Jesus mostrou ao mundo a maneira de ser feliz. Inácio abraça a pobreza e as humilhações para imitar a Jesus pobre e humilhado, e sente que deste modo está sob sua bandeira; deseja seguir Jesus em sua paixão e morte para participar com Ele em sua glória e ressurreição.

Assim foi o fruto que S. Inácio tirou da 1a. Semana. E o seu fruto?

Esta 2a Semana dos Exercícios Espirituais de S. Inácio o convida a seguir adiante se:

– se desencadeou em você uma dinâmica de audácia e generosidade;

– percebe que o que você busca já está às mãos;

– você quer colocar sua vida em comunhão com Cristo.

Ao experimentar a salvação, a redenção, você se sente salvo e tem a necessidade de anunciar a salvação aos outros. O humilde se faz audaz porque se “deixa levar” como instrumento de Deus para construir seu Reino. Esta 2a Semana se centra no essencial da experiência cristã:

. Relação interpessoal, por “conhecimento interno”

. Com Cristo, Senhor, exclusivo e único de minha existência

. Que chama, pessoalmente, aqui e agora,

. Por amor, fora de lógica, de cálculo, de interesse…

É a etapa caracterizada por uma polarização mais expressiva na pessoa de Jesus Cristo, uma vez que seu sentido consiste em buscar a “conformidade” com o Senhor. É a passagem da escravidão do pecado ao serviço amoroso de Cristo; à consciência da própria desintegração segue a fase de reconstrução e de busca da pedra angular sobre o qual o Senhor convida a fundar a própria vida e a crescer. É um caminho de recomposição da pessoa do exercitante em torno e em referência à pessoa de Jesus.

O objetivo desta Semana é oferecer uma escola de oração e um instrumento de decisão, através dos quais se possa reconstruir e aprofundar a própria vida.

A petição constante desta fase é o “conhecimento interno” do Senhor, para que mais se possa amá-Lo e segui-Lo. Somente pode haver conhecimento pessoal verdadeiro se aquele que aspira conhecer o outro situa-se desarmado diante do mesmo. A palavra de ordem continua sendo o sentir: perceber algo através de uma experiência interna.

A contemplação torna-se o método habitual: através da mesma a atenção se desloca da consideração das coisas à participação na Vida de Cristo, num conhecimento cada vez mais íntimo, que se exprime no ato de falar de coração a coração. Caso isso não ocorresse, o caminho dos Exercícios reduzir-se-ia apenas à transmissão de ideias ou às recomendações moralizantes.

O estar e repousar nos Mistério é favorecido pelas repetições. O cume do aprofundamento da familiaridade com o Mistério revelado é atingido com o colóquio, no final de cada contemplação, e com a aplicação dos sentidos, ao fim do dia.

Sugestões para a oração.

Você está iniciando agora outra “forma inaciana de oração” que se chama contemplação. Ao perguntar-se “aonde vou e para quê” e começar a pacificar-se, você deve “mirar a cena”.

Trata-se de fazer um exercício de imaginação, no qual a pessoa “entra” na cena, olha as pessoas, escuta o que falam, observa o que fazem, pergunta, opina… deixando-se “afetar”.

O quê busco.

Em todas estas contemplações você deve pedir:

– Conhecimento interno de Jesus – conhecê-lo por “dentro”:

a. Seu estilo, coração, amabilidade, grandeza de ânimo…

b. Seus interesses reais, como Ele prescinde de muitas coisas, pois vive em função da Glória do Pai;

c. Como seu único horizonte é o Reino: sente-se identificado com ele.

– Amá-lo intensamente: que isto seja o mais importante de sua vida.

– Segui-lo muito de perto, seguir suas pisadas… na primeira linha…

Para a oração durante o dia, recorde o seguinte:

Pela manhã (brevemente)

– escutar o Senhor que necessita de mim hoje para fazer crescer o Reino;

– imaginar que o Reino é seguir os passos de Jesus que está aqui, compartilhar da mesma missão…

– ouvir o chamado, sentir-me chamado por Deus em Jesus Cristo;

– pedir para “não ser surdo”… mas diligente em fazer o que me pede.

Ao longo do dia (iluminar com alguns “flashes”)

– repetir: uma frase de disponibilidade que lhe diga algo, tirada do texto dos Exercícios ou da Bíblia.

À noite (antes de dormir).

– se você entende a jornada como um acompanhar a Jesus em seu trabalho de construir o Reino, é lógico que à noite, quando já terminou a tarefa encomendada, você queira comentar com Jesus como foi o dia, se se conseguiu os objetivos da missão encomendada… Por isso, trata-se de fazer um diálogo cordial, de amigos que tem uma problemática comum, os mesmos interesses a realizar…

* Há uma provocação ao movimento; o próprio Cristo se apresenta todo o tempo como Alguém que “passa”, numa “páscoa”; é o Homem que convida a colocar-se em marcha com Ele…

* A Cristologia da 2a Semana não é de tipo teórico, senão inteiramente prática: surge de uma experiência e compromete numa experiência… A contemplação está ordenada a uma busca, compromete a caminhar.

* O que caracteriza a experiência cristocêntrica de Inácio é considerar o Cristo em sua humanidade como um companheiro de estrada no caminho para o Pai; é estar centrado em Cristo, mas como alguém que caminha com Ele. No caminho coloca-se tudo em comum: trabalho e repouso, alegrias e sofrimentos…

* Para Inácio, SEGUIR é deixar-se con-figurar, isto é, o movimento pelo qual vai sendo modelado à imagem de Cristo, em confronto com a VIDA de Jesus. A Vida de Jesus Cristo se torna “norma”: ela se desdobra, se explicita e toma corpo numa história concreta.

* O encontro com Jesus transforma o “ideal” abstrato num “itinerário” concreto que pode ser percorrido. É a passagem da imitação para o seguimento, de Jesus como “modelo” para a vida de Jesus como “caminho”.

* O SEGUIMENTO é uma tarefa aberta e sempre inacabada. Ele pode e deve encontrar encarnações concretas. E neste sentido estimula e dinamiza o crescimento espiritual.

* Para S. Inácio, SEGUIR não é simplesmente imitar, mas aderir incondicionalmente a Jesus Cristo, isto é, “entrar” pelo seu CAMINHO, recriá-lo em cada momento e percorrê-lo até o fim.

* Faz-se do chamado um CAMINHO, quando se partilha a vida com quem chamou. Responder ao chamado feito por Jesus significa tornar esse chamado um caminho de entrega e de serviço.

* No fundo, não somos chamados para coisas nem para tarefas; somos chamados para identificar-nos com Cristo e, a partir desta identificação, prosseguir abrindo caminho entre os homens, levando o Reino de Deus aos corações. Jesus, o “Homem das estradas”, chama para uma VIDA NOVA; a “pegada” que Ele deixa ao passar é sua própria VIDA partilhada. Uma pessoa que se define, tem força para interrogar, para arrastar… Jesus é o HOMEM que se definiu: Ele tem um SONHO, um PROJETO. E surge diante dos outros com força pessoal capaz de arrastar consigo. Ele “passa” e sua presença atrai. Jesus aproxima-se; não procura convencer, argumentar ou fazer seguidores à base de discursos. Havia uns homens pescando à beira-mar; uma só palavra fá-los abandonar suas redes e seus barcos; um único convite: SEGUE-ME, faz com que, na mesma hora, deixem tudo, sem mesmo indagar o “porquê”; começam a “fazer estrada” com Ele, caminhando com Ele na mesma direção. É esse o jeito de Jesus passar; É esse o jeito de Jesus chamar. Jesus arrasta porque oferece um mundo novo, uma proposta nova.

Ao chamar, Ele não o faz a partir de um plano, mas sim a partir da experiência da vida; Chama NA vida e PARA a vida, e põe a pessoa em movimento. A voz de Jesus no nosso coração é sempre exigente. Exige “perder” a vida, as seguranças, a posição, perder tudo. Seguir significa centrar a vida no outro, é “perder-se a si mesmo. “Ganhar a vida” é arriscar-se, é deixar que Cristo vá fazendo caminho em mim, é despojar-se, desnudar-se…

O chamado de Deus desfaz todos os nossos caminhos, porque os CAMINHOS d’Ele são outros. Deus sempre nos chama para algo novo, nos conduz para terras novas, para a “outra margem”… A pessoa chamada não pode deixar morrer o espírito recebido, porque Deus não nos deu um espírito timidez, de covardia, de fuga… Deu-nos, ao invés, um espírito de audácia, de energia, de luta, de participação…

SEGUIMENTO: a condição de discípulo de Jesus exige romper todo e qualquer laço que prenda a pessoa a si mesma. Quem optou por seguir a Jesus encontrou um centro para a sua vida, fora de si mesmo. Não gira mais em torno do próprio “eu”, dos gostos individuais, dos próprios interesses pessoais. Não é mais ele mesmo sua própria razão de ser.

O centro de sua vida está doravante na Vontade de Deus, manifestada para ele na pessoa e na missão de Jesus Cristo. Com outras palavras, quem OPTOU por SEGUIR Jesus Cristo, optou por viver uma vida “ex-cêntrica”, optou por “des-centrar-se” de si mesmo e pôr, como Jesus, no centro de sua vida o Outro e os outros, o Abba e o Reino. O discípulo-seguidor de Jesus torna-se, assim, um “homem-para-os-outros”.

Petição (EE. 104): ajuda a centrar o exercitante todo em Deus; penetra em suas próprias profundidades e percebe como sua atenção é atraída para uma presença ou um evento. É o movimento para o CENTRO de si mesmo, na quietude de seu coração. A petição é o centro e raiz mais profunda da espiritualidade inaciana, que se converte em desejo, súplica e esforço do exercitante ao longo de todo o processo dos Exercícios;

– trata-se de um desejo inesgotável, porque supõe sempre um mais: mais conhecer, amar, seguir;

– um desejo permanente e insaciável que abre um horizonte sem limites e que nos arranca da mediocridade e de toda acomodação.

Conhecimento interno: é uma experiência vital de COMUNHÃO. Em dupla direção:

. penetrar além da contemplação da humanidade de Jesus, apresentada no texto que se contempla, até os sentimentos do Seu coração, Seus valores, Suas atitudes, opções…

. voltar a mim mesmo (“reflectir”), para que a VIDA de Jesus me penetre interiormente, não apenas meu entendimento, como também meus sentimentos, valores, atitudes…

A PETIÇÃO que permeia os Mistérios da vida de Cristo nos Exercícios (“conhecimento interno para mais amar e seguir) é uma indicação de que a saída de si, ou a perda de si mesmo, não tem como objetivo a negação do desejo, mas sua transferência e transformação, graças a um Amor inquieto. A inquietação do Amor é o SEGUIMENTO. É nesse seguimento de Cristo que a pessoa gradativamente se perde ou se altera, “enlouquece”. A expressão “louco por Cristo” (EE. 167), utilizada por Inácio como indicação do grau de identificação com a pessoa de Jesus Cristo, é uma espécie de divisória ou fronteira da própria liberdade de escolha.

Mas a transferência para o Cristo não significa, na espiritualidade inaciana, uma espécie de fuga para a interioridade mais íntima do sujeito, nem um êxtase para a exterioridade ideal supra-mundana, nem o salto para uma utopia irreal. A transferência para o Cristo é o êxodo do SEGUIMENTO neste mundo: “quem quiser vir comigo” (EE. 95).

Esse seguimento, já nos próprios Exercícios, aparece como uma “jornada de missão”.