3 – Pecado: bloquear o fluxo da santidade divina em nós
“À semelhança do profeta Jonas, sempre permanece latente em nós a tentação de fugir para um lugar seguro, que pode ter muitos nomes: individualismo, espiritualismo, confinamento em mundos peque-nos, dependência, instalação, repetição de esquemas preestabelecidos, dogmatismo, nostalgia, pessimismo, refúgio nas normas. Talvez nos sintamos relutantes em deixar um território que nos era conhecido e controlável. Todavia as dificuldades podem ser como a tempestade, a baleia, o verme que fez secar o rícino de Jonas,
ou o vento e o sol que lhe dardejaram a cabeça; e, tal como para ele,
podem ter a função de nos fazer voltar para este Deus
que é ternura e nos quer levar a uma itinerância constante e renovadora”
(Papa Francisco, GE n. 134)
O encontro com o Deus três vezes Santo “des-vela” a presença de dois dinamismos opostos presentes no nosso interior e no coração da humanidade: um de expansão de si mesmo em direção aos outros e ao Criador; outro, de auto-centramento, resistência, ruptura de comunhão… “Qual dos dois dinamismos alimentamos?”
Vamos, no primeiro momento, através das “meditações”, mergulhar nas consequências do fechamento da humanidade à proposta de vida do Criador: trata-se do “mundo do pecado”, ou seja, quando a humanidade bloqueia o “fluxo da santidade” e alimenta o dinamismo de morte, presente em seu interior.
Queremos dedicar a jornada de hoje a experimentar como o “pecado do mundo” atua em nós, para que possamos cair na conta das suas estratégias, da sua força de atração e de ilusão na nossa vida, pessoal e comunitária.
Todo ser humano, chamado à comunhão e à união com o seu Criador e com os outros, experimenta em si, ao mesmo tempo, a força paralisante do próprio pecado, que limita, trava, perturba sua tentativa de viver em sintonia com a santidade de Deus e em harmonia com os demais.
Na perspectiva bíblica, o pecado aparece em primeiro lugar como a ruptura de uma aliança com o Criador, com os outros e com as criaturas. Não se trata de uma mera infração, uma quebra de lei, nem mesmo de uma falta contra nós mesmos, mas sim de quebra de uma relação de amor e de amizade. A Bíblia nos falará da situação do pecador como sendo, radicalmente, uma situação de fechamento, de estar bloqueado, incapaz de viver em relação com o Criador, com os outros e com as criaturas. Em uma palavra, trata-se de uma recusa a viver a vocação universal à santidade. É em relação à Santidade infinita de Deus que devemos nos situar como pecadores.
Não podemos perder de vista o que rezamos até aqui: iluminados e sustentados por essa Santidade geradora de vida, vamos agora voltar o nosso olhar para perceber o dinamismo do mal, como ele está entranhado no nosso mundo e em nós mesmos, nos nossos projetos, desejos e ações. A experiência do pecado é de desvio de rota, de frustração da própria vocação, experiência que nos desumaniza e nos faz viver uma existência vazia; com isso passamos a viver exilados, desterrados, solitários…
É a partir daqui que a experiência dos Exercícios desperta em nós a tomada de consciência de uma História do pecado: história de desintegração, de divisão, de desumanização…
O drama do ser humano é perder a memória de que é parte do todo: ao distanciar-se da Santidade de Deus, rompe a relação cordial com todos e cai num devastador vazio existencial. A “centração em si mesmo”, sem levar em conta a rede de relações que o envolve, provoca a quebra da “re-ligação” com tudo e com todos. Este é o veneno que apaga a chama da santidade presente em seu coração e que se manifesta como petrificação da interioridade, a perda do gosto pela verdade, pelo belo e pelo bem, o extravio da ternura e da transcendência, a atrofia da comunhão com o todo cósmico…
Na oração, o que se pretende é descobrir e identificar tudo aquilo que nos deforma, nos despersonaliza, nos desumaniza, chegando ao extremo oposto daquela “imagem e semelhança da santidade de Deus”, que se sustenta no dom da reciprocidade relacional, na qual e para a qual todos fomos criados. Nossos “pecados de raiz” nos exilaram do Paraíso.
A experiência da oração nos permite sentir as “amarras sociais” que nos prendem, atrofiam nossa liberdade, bloqueiam o fluxo da santidade divina e matam o impulso de “expandir-nos” em direção aos outros e à realidade que nos cerca. O que buscamos ao meditar o Pecado da humanidade é alimentar o desejo para que o mundo seja novamente o sonho de Deus.
Como o pecado é ruptura de relações, somente o olhar centrado numa Pessoa é que possibilita reconstruir a comunhão com tudo e com o Todo (colóquio de misericórdia – olhando a Cristo Crucificado).
Nosso pecado tem de ser revelado por Outro (Cristo Crucificado). No centro da história da humanidade está uma Pessoa: encontro afetivo, dinâmico, provocativo, que impulsiona para a nova vida…
Só a Santidade divina, que se revela como Misericórdia, é capaz de deter a dinâmica da ruptura das relações. E nesta Misericórdia não está só Deus, mas também as demais criaturas, o cosmos inteiro.
Disso brota “a exclamação de admiração com intenso afeto por todas as criaturas…” EE. 60).
Assim, sentir e compreender interiormente a própria desordem e a do mundo, vai junto com o agradecimento por não ter sido aniquilado como consequência do próprio auto-centramento.
Ou seja, graças a uma “santa conspiração” da Criação, não fomos aniquilados pelo caos do pecado, senão que existe uma consistência relacional e solidária no mundo criado por Deus que faz com que não afundemos no desespero, embora façamos todo o possível por perder-nos.
Deixar-nos conduzir pela Santidade implica sairmos de nós mesmos e abrir-nos à contemplação sobre qual é o verdadeiro modo de ser e de existir que restaura em nós a imagem e semelhança divinas e nos compromete a devolver ao mundo sua condição paradisíaca.
Movidos pela santidade reconstrutora, é urgente refazer o caminho de volta, como filhos pródigos, rumo à “comunidade universal de vida” e restabelecer a re-ligação com o Todo e com todos.
Como como seguidores de Jesus, a graça que recebemos é estar com Ele e com Ele caminhar, olhando o mundo com os Seus olhos, amando-o com o Seu coração e fazendo-nos presentes com a Sua infinita misericórdia.
O específico da vida cristã é buscar, através da vivência da santidade, fazer e viver o que fez e viveu Jesus. Para isso adota as atitudes, o olhar, a capacidade de contemplação da realidade e o compromisso que o mesmo Jesus adotou.
Como água que dá vida a tudo o que tem sede, Jesus mostrou-se interessado por todas as zonas áridas do Seu mundo. O Seu ministério de reconciliação com Deus e de uns com os outros não conheceu fronteiras. O Reino de Deus, que pregava constantemente, tornou-se uma visão de um mundo onde todas as relações são reconciliadas em Deus.
Chamados à santidade, nossa vocação é a de construir pontes e ser presença misericordiosa em situações de fronteira, colocando nossas energias, nossa formação, nossa vida a serviço… para criar, alimentar e sustentar os laços humanos, relações sociais, estruturas políticas e econômicas que tornem possível a solidariedade entre todos os seres humanos e aponte para um mundo fraterno e justo.
Nós só poderemos chegar a ser pontes em meio às divisões de um mundo fragmentado, se tivermos feito a experiência do encontro com a Misericórdia reconstrutora do Deus Pai-Mãe.
Desse modo, cooperamos com o Senhor na construção de um futuro novo, para uma “globalização na solidariedade, uma globalização sem marginalização”.
Textos bíblicos: Lev 19,1-18; Jer 5,21-29; Is 59,1-14; Is 65,17-25; Os 11
Na oração: contemple a realidade com os olhos misericordiosos do Pai e com os olhos dos excluídos deste mundo; sinta a dor do Pai e a dor dos excluídos; olhe o rosto dos feridos deste mundo; olhe o rosto do Crucificado.
Recorde o que Deus sonhava com a criação do mundo: a felicidade dos primeiros pais; a terra não é inimiga do ser humano, mas é rica e generosa; tudo é de todos; há uma perfeita harmonia entre o ser humano e as criaturas; reina perfeita fraternidade: a humanidade como uma só comunidade, com sua diversidade…
Despertar o impulso para ser presença inspiradora e re-construtora, diante de um mundo fragmentado e dividido.
– Rezar as dimensões da vida que estão paralisadas impedindo-lhe viver a dinâmica da vocação à santidade.