11 – Santidade: capacidade ilimitada de paixão
“Move-nos o exemplo de tantos sacerdotes, religiosas, religiosos e leigos que se dedicam a anunciar e servir com grande fidelidade, muitas vezes arriscando a vida e, sem dúvida, à custa da sua comodidade. O seu testemunho lembra-nos que a Igreja não precisa de muitos burocratas e funcionários, mas de missionários apaixonados, devorados pelo entusiasmo de comunicar a verdadeira vida.
Os santos surpreendem, desinstalam, porque a sua vida
nos chama a sair da mediocridade tranquila e anestesiadora”
(Papa Francisco, GE n. 138)
Em todas as religiões, os conceitos de sagrado e de santo fazem referência a uma separação, uma distinção dos outros. Bem sabemos que Jesus, na sua vida e no seu ministério, revela uma nova apreciação do conceito de santidade: Ele é Santo não por ser separado ou consagrado pelo povo, mas pela sua missão de “reunir um só rebanho e um só pastor” (João 10,16); chama-nos a atenção nos Evangelhos que quem confessa “tu és o Santo de Deus” (Lc 4,34) é um “homem que tinha um espírito impuro”, de quem Jesus se aproxima, fala com ele e o liberta.
A santidade de Jesus distingue-se bem da santidade da lei, que previa a impossibilidade de cuidar de alguém como aquele homem, sem nome e impuro. Mas, para Jesus, a santidade de Deus e a misericórdia que Ele pede aos seus seguidores (Lc 6,36), é a santidade e a misericórdia ao seu estilo, ao estilo do próprio Jesus.
Sabemos que Jesus não foi um sacerdote e, por isso, não desenvolveu uma visão especial da santidade de Deus em termos sacrais, na linha do “Santo dos santos” do Templo, nem na linha dos sacrifícios. Antes, Jesus retoma a linha dos profetas e identifica a Santidade de Deus (“santificado seja o vosso Nome”) com a chegada do Reino, ou seja, com o pão partilhado e com o perdão mútuo, conforme o Pai-Nosso.
Dessa forma, Jesus volta a situar a santidade no espaço aberto da vida dos homens e mulheres (sem distinção de hierarquias santas…), uma vida aberta aos excluídos e pobres, uma vida na qual todos podem encontrar e encontram um lugar, porque Deus chama a todos à santidade e em todos habita.
Através de sua presença inspiradora, Jesus deixa transparecer sua santidade como paixão ilimitada pela vida.
Em um sentido estrito, para Jesus tudo o que existe é sagrado, sendo profano; de um modo provocativo, Jesus buscou a presença de Deus naqueles homens e mulheres que pareciam os mais afastados da santidade de Deus, os publicanos e as prostitutas. Na sua visão, a santidade de Deus se revela no amor aos pequenos e marginalizados, aos excluídos e negados do povo. Mais ainda, Jesus fez um gesto provocador contra o Templo de Jerusalém, negando, no fundo, sua santidade.
Seguindo nessa linha, podemos afirmar que Jesus foi crucificado, de algum modo, por “blasfemo”, por ter ido contra à santidade oficial dos sacerdotes de Israel, tal como se encontrava centrada no templo. Por isso, na sua morte “o véu do templo se rasgou”, em um sentido simbólico, mas muito real: acabara a divisão ritual antiga do santo e do profano.
A partir deste pano de fundo, entendemos as referências fundamentais à santidade nos evangelhos:
– Oração de Jesus: “santificado seja vosso nome”. A santidade do Nome de Deus não está nos ritos sacrais do Levítico, mas na liberdade e plenitude dos homens e das mulheres. A Santidade de Deus se expressa na chegada do Reino.
– Espírito Santo: a missão de Jesus é inseparável da ação do Espírito de Deus, que é santo porque liberta todos possuídos pelo mal espírito, possibilitando assim que o Reino de Deus se faça presença no mundo. A Santidade de Deus e dos seres humanos se identifica com a ação criadora de seu Espírito Santo, em sua luta contra o “diabólico”, a favor dos pobres deste mundo.
– Os cristãos são “santos” não porque cultivem os rituais como os do Código da Santidade do Levítico, mas porque foram amados por Deus e redimidos de um modo gratuito por Cristo. Nesse sentido se pode e se deve dizer que toda a vida dos seguidores de Jesus é santa, porque é vida de homens e mulheres aos quais Deus ama. Rompeu-se o véu que dividia o sagrado e o profano; por isso, tudo é santo para aqueles que acolhem a vida de Deus, para aqueles que creem.
– Todos os homens e mulheres são santos, aqui na terra, como amados de Deus, portadores de um valor sagrado. Mas, de um modo especial são santos, revelação da graça e santidade de Deus, os pobres deste mundo, os rejeitados e oprimidos, os excluídos e marginalizados… (cf. X. Pikaza)
Os santos e as santas são as testemunhas (martyria) da vida, ou seja, aqueles que, inspirados na santidade de Jesus, são presenças inspiradoras no mundo, portadores de valores humanos e que constroem suas vidas sobre a rocha firme do amor incondicional e generoso; homens e mulheres que “vivem um caso de amor com a vida”.
Para humanizar nosso tempo, os santos revelam atitudes e critérios que nos fazem mergulhar de cheio nos desafios e problemas que afligem grande parte da humanidade. Os santos, de hoje e de sempre, não são encontrados nos pacíficos ambientes dos templos ou dentro dos limites da instituição eclesial, mas nas encruzilhadas da pobreza e da injustiça, nas “periferias existenciais”, em perigosa proximidade com o mundo da violência e da marginalidade, em situações de risco, onde a luz do amor brilhará mais do que nunca.
O modo de proceder do santo no mundo é imagem fiel do modo de proceder do próprio Jesus, que é princípio e garantia da Verdade, do Bem, da Justiça, da Misericórdia, da Compaixão…
Existe uma forma contemplativa de viver no meio do mundo; mas existe uma forma diferente de descobrir o Deus oculto no centro das realidades. Como um pêndulo, o santo oscila entre o mundo e Deus. É tão familiar com Deus que admira a variedade e a multiplicidade do mundo, e não teme o mundo com todo seu “mundanismo” e complexidades. É tão familiar com o mundo que sente o Espírito de Deus, que trabalha no mundo, em todos os lugares e da maneira mais inesperada.
O dinamismo da santidade, que brota do seguimento de Jesus, nos convida a “olhar” nossa terra cotidiana, nossa humanidade, fragilidade, paixões, sentimentos, fracassos, imperfeições… Deus se encontra misturado com tal realidade, salvando-a.
Na proximidade contemplativa dos pobres e humilhados encontramos os nomes e verbos nos quais Deus falou em Jesus e onde continua nos falando hoje. Em Jesus encarnado encontramos a pobreza e a humildade de Deus, ao lado de muitas existências pobres e humilhadas.
Nesta contemplação vai se purificando nossa fantasia e nosso mundo afetivo para poder seguir a Jesus em um serviço como o seu, no lugar mesmo onde Ele se fez presente para fazer Redenção.
Textos bíblicos: Lc 4,14-21; Lc 4,31-37; Jo 6,59-71
Na oração: Marcados pela inspiração da Vida Pública de Jesus, os santos de hoje, movidos por um olhar novo e um coração ardente, entram em comunhão com a realidade tal como ela é; sentem o mundo como “sacramento de Deus” e são capazes de descobrir e apontar os sinais de esperança ali presentes; revelam uma presença afetiva, marcada pela ternura, compaixão e por isso geradora de misericórdia; presença comprometida solidariamente com o Projeto de Jesus, na vivência da mansidão e na busca a paz…