9 – A bandeira da santidade
“Um compromisso movido pela ansiedade, o orgulho, a necessidade de aparecer
e dominar, certamente, não será santificador.
O desafio é viver de tal forma a própria doação,
que os esforços tenham um sentido evangélico
e nos identifiquem cada vez mais com Jesus Cristo”
(Papa Francisco – GE n. 28).
Na vida de um santo, mais que contemplá-lo na sua glória, é bom considerar sua caminhada para a santidade: é o Espírito do Senhor que o conduz.
Um santo é a “irrupção” original e única do Espírito de Deus. Uma maravilha sem comparação que invade a história e permite que seja dito o Indizível e experimentado o Transcendente.
A presença de um santo ultrapassa nossa estatura. Algo “maior” se levanta, seduzindo-nos, atraindo-nos e surpreendendo-nos. Uma referência se apresenta à consciência das pessoas e das comunidades.
Os santos são personagens de limiar, de fronteira…; eles vislumbram o novo, a outra margem… são pessoas de atitude “ex-cêntrica”: é sempre o Outro quem os conduz. O heroísmo deles é “deixar-se conduzir”, deixar que se manifeste a força divina ali onde é maior e mais evidente a fraqueza.
O santo é aquele que revela uma pulsação de vida para o mundo, advertindo-nos contra qualquer tipo de absolutização (poder, riqueza, prestígio, vaidade…)
Nesse processo, o santo se converte em teóforo, alguém que tem sua natureza transformada na do Deus que o habita. Seu comportamento no mundo é imagem fiel do comportamento do próprio Deus, que é princípio e garantia da Verdade, do Bem, da Justiça, da Misericórdia, da Compaixão…
Ser cristão/santo é “arriscar-se” em Deus. É privar-se das humanas certezas em nome da Sua Verdade.
É excluir-se das seguranças e estabilidades do mundo.
Os santos foram sempre homens e mulheres de ação; foram pessoas que se fizeram e se definiram nas eleições de sua vida, eleições livremente discernidas, através das quais avançaram no mistério da Santidade de Deus. Contemplaram algo do rosto misterioso do Santo e sentiram a vertigem da entrega. Mas a entrega se traduziu em ação.
S. Inácio intuiu que o ser humano joga seu destino nas eleições que faz. E a vida está cheia delas. Por isso é importante eleger bem, “desejando e elegendo o que mais nos conduz para o fim o qual somos criados”.
O ser humano não nasce definido, define-se elegendo. E a eleição acontece no ritmo da vida; e porque elegeu vai definindo sua vida, vai construindo-se a si mesmo.
Não há eleição que não seja tomada diante de Deus, ou melhor, em Deus, em sintonia com a grande Eleição do próprio Deus – “em Cristo fomos eleitos desde a criação do mundo, para sermos santos e imaculados; por isso, toda eleição é “precedida, envolvida e prolongada” pela oração. Em todas as eleições, pequenas ou grandes, devemos “considerá-las” de acordo com o coração de Deus e, depois, vivê-las vida, em conformidade com o modo de agir de Deus.
A eleição implica uma re-organização vital que orienta toda a atividade e evolução posterior da pessoa; trata-se da própria vocação, do orientamento pessoal irrepetível, único, original…; significa uma qualidade de vida, ou seja, uma maneira pessoal e original de viver o seguimento de Jesus.
Para ajudar a integrar bem os diversos dinamismos da vida e viver a “a vocação à santidade”, é decisivo centrar no horizonte que inspira nossa missão e nos motiva a fazer o que fazemos e como fazemos.
É aqui que se situa o convite do Mestre, no exercício das “Duas Bandeiras”: “…recomendando-lhes que a todos queiram ajudar em trazê-los…” (EE. 146).
“Ajudar” é o horizonte e a chave de integração de nossa vida; é a atitude que nos move a viver com alegria e sentido nossa própria missão.
“Ajudar”, como atitude pessoal e comunitária, é o equivalente evangélico “servir”. Um “ajudar” (servir) que brota da experiência de ser “ajudado” por um Deus Santo, providente e cuidador.
No “ajudar” dão-se as mãos o amor a Deus e o amor à pessoa humana, a experiência interior e a ação cotidiana, a ação e a contemplação; nele se expressa a profundidade e o enraizamento da pessoa nas exigências cotidianas da vida; nele convergem a busca de Deus e o compromisso com o mundo.
“Ajudar” nos remete a uma espiritualidade ativa, mas que não consiste meramente em “fazer”, nem se acomoda com qualquer forma de fazer; ele nos permite olhar o global e comprometer-nos com o particular. “Ajudar” pede um coração magnânimo, ou seja, grandeza de sonhos, de ânimo e de desejo; mas, ao mesmo tempo ele nos convida à humildade, ou seja, abrir-nos às necessidades do outro, descer ao nível do outro, renunciando nossos próprios critérios, modos fechados de viver…
“Ajudar” é oposto do ativismo, que é um fazer “insensato”, sem sentido e sem direção. “Ajudar” é fazer com inspiração, com horizonte de sentido; é perguntar-nos continuamente: “por que fazemos isso? para quem fazemos? por que fazemos dessa maneira?… “Ajudar” nos permite “trabalhar descansadamente”, encontrando prazer e humor naquilo que fazemos, porque iluminado por um horizonte que nos atrai.
“Ajudar” não vai na linha do impor, senão do propor. Trata-se, isso sim, de propor com qualidade, com firmeza, com proximidade, com compromisso pessoal, tendo cuidado especial na arte do acompanhamento. Isso requer presença gratuita, desinteressada, centrada no bem da outra pessoa, sem criar dependências, mas fazendo o outro crescer em liberdade.
“Ajudar” implica descer junto ao outro e possibilitar que ele seja protagonista de seu processo, ativar sua autoria, sua autonomia… No “fazer” o centro somos nós, no “ajudar” é o outro; no “fazer” medimos a quantidade, no “ajudar”, a qualidade de nossa ação. No “ajudar” há parceria (mão dupla): na medida em que ajudamos, somos ajudados; na ajuda há um enriquecimento e crescimento mútuo.
“Ajudar” não é substituir os outros naquilo que eles podem e tem de fazer, ou dizendo o que tem de ser feito, mas colocá-los em condição de que eles mesmos se experimentem ajudados, descubram por isso o Deus que ajuda a todos e sintam o impulso para ajudar a todos como ideal de suas vidas.
Essa atitude interna e permanente de atenção, vigilância, escuta… vai nos situar numa segunda dinâmica, também imprescindível para que nosso atuar seja “ajudar”. Trata-se da atitude de busca, de pergunta, de discernimento: “o que é o melhor para o outro? O quê lhe ajuda mais?”
Na meditação das Duas Bandeiras, a intenção é justamente essa: ajudar o exercitante a um contínuo discernimento. O que se requer nessa meditação é que não confundamos o Reino de Jesus com o poder, o prestígio, a riqueza mundana, a falsa segurança, senão que captemos aquilo que é nuclear na Bandeira de Cristo: descentrar-nos para “ajudar” com a marca evangélica, ou seja, nos anima a seguir Jesus pobre e humilde, sob a força do seu Espírito, no compromisso com a vida.
Se a lógica profunda do nosso fazer é “ajudar, devemos fazer mais por aqueles que mais ajuda necessitam, por aqueles mais desvalidos, que são mais fracos, que estão mais desprotegidos…
Existe uma estreita relação entre a Bandeira de Jesus e o mundo dos pobres.
Além disso, “ajudar” tem maior visibilidade quando a missão é vivida em grupo, quando a colaboração com outros e a partilha em comum tornam-se um “modo de proceder”, esvaziando-nos de toda pretensão de sermos proprietários para sermos simples servidores.
O seguimento é relacional: o “ser recebido sob a Bandeira de Jesus” implica, naturalmente, ser recebido “com outros”; o “co-ajudar” com Jesus é inseparável do “co-ajudar” com tantas pessoas, constituindo assim o grande corpo apostólico de colaboradores. Assim vivido, o “ajudar colaborativo” nos faz “amigos no Senhor” e se converte em espaço de companheirismo e em oportunidade única de encontro e comunhão com outras pessoas, movidas pelo mesmo chamado à santidade.
“Ajudar” os outros, inspirados e animados pelo Espírito de Jesus, é o que santifica nossos atos, nossos pensamentos e orações, nossos trabalhos, nossa vida inteira. “Ajudar” torna “santa” nossa vida, toda nossa vida.
Textos bíblicos: Lc 10,38-42; Col 3,12-17; Mt 5,1-12; Mt 4,1-11
Na oração: sua missão como seguidor de Cristo: simples ativismo burocrático ou espaço de ajuda criativa?