8 – Santidade: um caso de amor com a vida
“Gosto de ver a santidade no povo paciente de Deus:
nos pais que criam os seus filhos com tanto amor,
nos homens e mulheres que trabalham a fim de trazer o pão para casa,
nos doentes, nas consagradas idosas que continuam a sorrir.
Nesta constância de continuar a caminhar dia após dia,
vejo a santidade da Igreja militante.
Esta é muitas vezes a santidade ‘ao pé da porta’,
daqueles que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus,
ou – por outras palavras – da ‘classe média da santidade’”
(Papa Francisco, GE n. 7).
O apelo à santidade perpassa toda a história do cristianismo e chega até os nossos dias. E o papa Francisco trata deste tema na Exortação Apostólica “Gaudete et Exsultate”, ou seja, o chamado à santidade no mundo atual. Numa cultura espiritualmente desnutrida, mas sequiosa de espiritualidade, como a nossa, longe de ser um tema e um assunto fora de moda, a santidade, é um assunto pertinente. É preciso revelá-la a uma humanidade cansada de novidades e sedenta de verdade. É preciso purificá-la de tantas ambiguidades, equívocos, mal-entendidos para que a santidade seja entendida como um programa de vida, acontecendo no altar da vida, encarnada em pessoas de carne e ossos.
Papa Francisco fala de santidade acontecendo “ao pé da porta”, sendo, por isso, o rosto mais belo da Igreja. A santidade não é uma subida em direção às perfeições, mas uma descida em direção à própria humanidade e à humanidade dos outros. E o caminho da santidade é, segundo o papa, transfigurar o cotidiano, resgatar o extraordinário em meio ao ordinário.
Ser santo é ter a audácia de reinventar o humano; é resgatar a paixão por um ideal irrecusável; paixão rebelde e inquieta diante dos fatos; paixão pela vitória da esperança; paixão pelo sonho de melhorar a si mesmo e o mundo; paixão pelo futuro; enfim, ser santo é ter capacidade ilimitada de paixão.
O Evangelho nos propõe um modelo de santidade muito mais dinâmico e próximo da vida cotidiana, com seus altos e baixos, alegrias e dores O seguimento de Jesus pede uma nova forma de santidade, muitas vezes esquecida: a santidade da vida comum, da resposta à Providência divina em meio às rotinas do tempo, uma caridade tecida nos pequenos gestos cotidianos. O santo faz as coisas que todo mundo faz, mas faz de maneira diferente. Há um “mais” qualitativo. Há algo na conduta, no brilho do olhar, na bondade do gesto, na pureza do agir, na liberdade, na gratuidade que o faz ser diferente. Isso é ser santo.
Diante de uma realidade que ameaça o ser humano pelo anonimato, pelo artificialismo, pela massificação, o santo injeta no interior das “veias” deste mundo a Graça transfiguradora do Amor.
Surge, então, a imagem de um santo que é filho do momento e da situação presente, cujo agir se processa no mundo em que está encarnado. O santo é aquele que, na “loucura santa”, revela uma pulsão de vida para com o mundo; é um biófilo (amigo da vida); é um cooperador, agindo sob o primado da escuta da Palavra de Deus dita na e pela situação cotidiana.
Não é o trivial ou o excepcional que distingue a santidade do ato: o que importa é sua sintonia à Vontade de Deus expressa na situação concreta. O importante é verificar qual é a intenção, qual é a motivação que está por detrás de cada ato, de cada atividade: para quê? para quem?…
O santo faz a experiência da intimidade, da presença, da proximidade, da comunhão, da aliança, da glória de Deus em sua própria vida. Ele vive embriagado de vida, de Deus, vive como um peixe no oceano de Deus, dizendo um profundo sim às ondas, ao vento, ao sol, à existência…
Os santos sentem e sabem: se Deus não pode ser encontrado no próprio coração e no coração da vida não será encontrado em lugar nenhum.
O chamado universal à santidade nos faz confiar profundamente na vida cotidiana, ou seja, no dia-a-dia da vida familiar, no exercício da profissão, nas relações sociais, nas decisões éticas, na ação cidadã, no amplo tema dos direitos humanos, no campo da economia, na presença ativa em política, no mundo da cultura, no diálogo com os meios de comunicação, na navegação por internet, na luta contra a pobreza e a violência, no cuidado do meio-ambiente… como “lugares agraciados” de encontro com Deus e manifestações explícitas de compromisso cristão.
O santo sente-se cativado, envolvido, amado, entusiasmado, sintonizado, habitado por Deus de tal maneira que seus olhos, gestos, suas atitudes, palavras, seu coração, sua existência transbordam Deus.
Tal experiência é incomunicável; ninguém pode vivê-la por nós.
Não tem por que a santidade ser aquela que está acompanhada de virtudes heroicas, mas aquela que se expressa numa vida cotidianamente heroica; os santos vivem intensamente e colocam em prática o chamado de Deus para viver e dar vida a outros. Quer-se dizer, com isso, que santa é a vida e santo é defendê-la; fascinante é ver enormes esforços para propiciá-la.
Claramente a santidade cristã, em sua capacidade contemplativa na ação, está concebida para encontrar a Deus “no mundo”, na ação de Deus no dia-a-dia da vida cotidiana.
Essa é a experiência mística da vida: “sentir Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus”.
Num mundo em que nem todos são capazes de grandes façanhas ou de alcançar sucessos, Deus nos deu a aptidão de encontrar a grandeza no dia-a-dia. Temos apenas que ser santos o bastante para que possamos reconhecer o milagre no ritmo da vida.
A partir do “sentimento agudo do absoluto de Deus” podemos reconhecer que o específico da santidade cristã é encontrá-Lo nas mediações cotidianas.
Por isso, é necessário fazer a passagem de uma espiritualidade de momentos densos pontuais (eventos) a uma espiritualidade de seguimento em todos os momentos e circunstâncias da vida, uma espiritualidade das chamadas “realidades cotidianas”.
“Os santos são muito corriqueiros, eles são absolutamente encardidos nas suas vidas. O que às vezes chama a atenção são dons especiais, de milagres, de levitação,mas fora disso a santidade é um passeio no cotidiano” (Adélia Prado).
Textos bíblicos: Lc 2,41-52; Col 3,12-17; 2Tim 1,6-12
Na oração: Rezar sua presença santificante na realidade cotidiana.
Viver a santidade no cotidiano é “arriscar-se” em Deus; é navegar no oceano da gratuidade, da compaixão, da solidariedade, da justiça…