Generosidade sem limites
“Ela, na sua penúria, ofereceu tudo o que tinha, tudo o que possuía para viver”
(Mc 12,44)
A extrema simplicidade do relato do Evangelho de hoje esconde a mais profunda mensagem de Jesus: toda a parafernália e suntuosidade religiosa externa não tem nenhum valor espiritual; a única coisa que importa é o interior de cada pessoa. Esta atitude fundamental manifesta-se nos gestos mais simples e aparentemente insignificantes.
O contraste entre as duas cenas é muito forte. Ao contrapor os escribas e a pobre viúva, Jesus denuncia, em primeiro lugar, a falsa religião fundada na aparência, pomposidade e ostentação daqueles que se apresentam como os especialistas e intérpretes oficiais da Escritura, amigos do prestigio, que buscam ser os primeiros e que usam a religião para espoliar os pobres.
Em segundo lugar, com seu fino olhar, Jesus observa uma pobre viúva e move seus discípulos a aprender dela algo que os escribas não lhes ensinarão nunca: uma fé total em Deus e uma generosidade sem limites. Seu gesto passa desapercebido de todos, mas não de Jesus; no seu silêncio e no seu anonimato, a viúva põe em evidência a religião corrupta dos dirigentes religiosos; ela não busca honras nem prestígio, mas atua de maneira calada e humilde revelando um coração mais solidário: dá o que tem porque outros podem necessitar; não dá do que sobra ou do supérfluo, mas “tudo o que tem para viver”.
Segundo Jesus, estas pessoas simples, mas de coração grande e generoso, que sabem amar sem reservas, são aquelas que de melhor pode existir no grupo dos seus seguidores; são elas que fazem o mundo mais humano e fraterno, aquelas que mantém vivo o Espírito de Jesus em meio a outras atitudes religiosas falsas e interesseiras. É a partir dessas pessoas que devemos aprender a seguir Jesus. São as que mais se parecem e mais se identificam com Ele.
Partindo deste gesto generoso da pobre viúva, façamos uma consideração sobre a generosidade que é a virtude do dom.
Por ser mais afetiva, mais espontânea, ligada ao coração… a generosidade revela-se na ação, não em função de um mandato, de uma lei, de um interesse…, mas unicamente de acordo com as exigências do amor, da solidariedade…
Sem se reduzir ao amor, a generosidade tenderia, em seu mais extremo ápice, a se confundir com ele.
O amor é sempre generoso. A generosidade é desejo de amor, desejo de alegria e de partilha, é a própria alegria, pois o generoso se regozija com esse desejo.
“Agir bem e manter-se alegre; o amor é a finalidade; a generosidade é o caminho” (Spinosa).
A generosidade nos leva em direção aos outros e em direção a nós mesmos enquanto libertos de nosso pequeno eu. É a generosidade que nos liberta da mesquinhez, da avareza, do egoísmo…
A generosidade é ao mesmo tempo consciência de sua própria liberdade e firme resolução de bem exercê-la. É por isso que a generosidade reforça a auto-estima.
O princípio é a vontade: ser generoso é saber-se livre para agir ordenadamente. O ser humano não é prisioneiro de seus afetos desordenados, nem de si mesmo, mas, ao contrário, é senhor de si.
Ser generoso é ser livre de si, de suas pequenas covardias, de suas pequenas posses, de seus pequenos apegos… É o princípio de toda virtude, a busca do bem supremo e o contentamento que ela produz – felicidade generosa. Ser generoso é ser livre, e é esta a única grandeza verdadeira (magnanimidade).
“Notemos que a generosidade, como todas as virtudes, é plural, tanto em seu conteúdo como nos nomes que lhe emprestamos ou que servem para designá-la. Somada à coragem, pode ser heroísmo. Somada à justiça, faz-se equidade. Somada à compaixão, torna-se benevolência. Somada à misericórdia, vira indulgencia. Mas seu mais belo nome é seu segredo, que todos conhecem: somada à doçura, ela se chama bondade” (André Comte Sponville – Generosidade).
Em nosso encontro com Cristo, experimentamos a generosidade como libertação, como um mergulho no coração da verdade. Sentimos o nosso coração dilatar-se até às dimensões do universo; ele se sente livre para qualquer desafio, para lançar-se a uma intensa generosidade.
É a generosidade que alarga o nosso coração, rompendo seus estreitos limites e lançando-o a compromissos mais profundos. Sentimos que cada nova entrega é uma libertação maior: são novas oportunidades de serviço, de maior aproximação d’Aquele que veio, não para ser servido, mas para servir e para dar sua vida pelo mundo.
“Não deve ser tacanho aquele que com quem Deus Nosso Senhor tem sido tão generoso. Tanto descanso e consolação acharemos, quanto nesta vida os distribuirmos” (S. Inácio)
Nós cristãos deveríamos aprender a “ver os grandes acontecimentos da história do mundo a partir de baixo, da perspectiva dos inúteis, dos suspeitos, dos maltratados, dos que não tem poder, dos oprimidos, dos desprezados, numa palavra: da perspectiva dos que sofrem” (D. Bonhoeffer).
O “novo” na opção pelos pobres não reside, em primeiro lugar, no interesse pelos “pobres”, mas na inversão de ótica. Não se trata tanto de uma ação caritativa (embora nunca pode faltar quando estamos diante do pobre concreto), mas sobretudo de fazer o próprio pobre sujeito histórico e protagonista de uma sociedade nova marcada por maior humanidade, partilha, solidariedade, convivência fraterna e justiça.
A generosidade que nasce da compaixão leva a reconhecer no outro (sobretudo o outro que é excluído) uma dignidade e uma capacidade criativa de superar sua situação.
Isto pede de nós uma atitude de abertura ao outro, o que implica colocar-nos em seu lugar, deixar-nos questionar e desinstalar por ele… Importa, pois, re-descobrir com urgência a generosidade como valor ético e como atitude permanente de vida… não uma generosidade ocasional, mas uma generosidade cotidiana que se encarna nos pequenos gestos de serviço no dia-a-dia.
Texto bíblico: Mc 12,38-44
Na oração: Esta cena tão simples do Evangelho nos desafia mais uma vez e nos vemos retratado nela; simplesmente temos que nos deixar interpelar pelo relato e tentar descobrir se nossa atitude de vida está mais próxima da dos escribas ou mais próxima daquela da viúva.
. o quê prevalece em mim: uma religião de aparência, de ritualismos, de moralismos (própria dos escribas) ou uma religião do coração (simplicidade, generosidade, despojamento…) própria da viúva?