2 – Santidade: o DNA de Deus no coração do ser humano
“O meu objetivo é humilde: fazer ressoar mais uma vez a chamada à santidade, procurando encarná-la no contexto atual, com os seus riscos,
desafios e oportunidades, porque o Senhor escolheu cada um de nós
“para ser santo e irrepreensível na sua presença, no amor.” (cf. Ef 1, 4).
(GE n. 2)
“Não tenhas medo da santidade. Não te tirará forças, nem vida nem alegria.
Muito pelo contrário, porque chegarás a ser o que o Pai pensou
quando te criou e serás fiel ao teu próprio ser. Depender d’Ele liberta-nos
das escravidões e leva-nos a reconhecer a nossa dignidade.”
(GE n. 32)
S. Paulo, no areópago, afirma que “em Deus vivemos, nos movemos e existimos” (At 17,28). A santidade de Deus nos envolve, nos habita. Nós não nos fazemos santos; é Deus, com sua presença dinâmica e criativa, que nos faz santos.
“Sejam santos, porque eu sou SANTO” (Lev 11,45)
Esta é a vocação fundamental à qual somos todos chamados. A santidade de Deus é a vocação universal de todos os seres humanos, cada um à sua maneira.
Deus é a possibilidade universal da santidade, da liberdade para o bem, para a misericórdia, para a justiça.
Deus é a graça que transborda, a bondade que se derrama, o perfume que se expande, a fonte que mana e corre em todos os seres, transformando tudo, sem fazer-se notar.
Deus colocou no coração de cada pessoa a busca da santidade. Uma busca que se experimenta como impulso vital, sopro do Espírito, aqui e agora, nas circunstâncias concretas da vida.
Nesse sentido, santos e santas são os portadores de vida, homens e mulheres que buscam viver intensamente; que acolhem a vida e a expandem, que bebem do prazer da vida e que ajudam os outros também a beberem, sabendo que a vida é dom, presente que compartilhamos, todos, no mundo. São pessoas em cujo entorno se desatam correntes de vida, esperança, alegria de viver, reconciliação e amor. “Os santos, como os poetas, vivem de encantamentos…”, encantados com a vida, com a beleza, com a verdade…
Perguntaram a uma criança de 7 anos quem eram os santos. Ela deu uma resposta magistral: “Um santo é quem deixa passar a luz”. Sem dúvida, em sua imaginação estavam presentes os vitrais da Igreja onde sua mãe a levava. É evidente, os santos deixam passar a luz de Deus para nós. Essa transparência é sua santidade.
Os santos são pessoas humanas que nos revelam o que podemos atingir quando nos abrimos à luz de Deus, à maravilhosa “influência divina”, à potencialidade de seu Reino.
S. Teresa D’Ávila afirma que a santidade não é um privilégio de poucos; é uma responsabilidade de todos nós; ser santo é ser inteiro, é ser simples, é ser transparente, é ser original.
Nossa vocação é a santidade da Vida para além de todo sistema moral, para além de toda crença, para além de toda religião, porque fora da Igreja há salvação ou santidade.
Mais ainda. A santidade ou a imunidade da Vida é nossa verdade mais íntima e universal.
Somos santos. Não somos santos porque sejamos irrepreensíveis, senão simplesmente porque somos, e vivemos, nos movemos e somos sempre em Deus e Deus em nós, também quando nos sentimos medíocres e inclusive fracassados. Somos um tesouro em vasos de barro em formação, e Deus é o paciente oleiro na sombra mais profunda de nosso barro.
“Deus faz tudo o que faz o santo” (A. Silesius), mas também a inversa: é o santo aquele que faz o que Deus faz neste mundo, aquele que faz que este mundo seja imune, santo, salvo.
Deus nos faz a partir de nós mesmos e deixa transparecer sua santidade em nós e em todos os seres.
Ainda não temos encontrado nossa forma última, não temos realizado nosso ser verdadeiro, mas para esse horizonte caminhamos na santa comunhão de tudo quanto é.
A santidade é, pois, um dom recebido de Deus, que alimenta em nós o desejo e a disposição de “sair de nós mesmos” para viver a experiência do amor na relação com o mesmo Deus, no encontro com os outros e no cuidado e proteção da Criação.
“Viver a partir da santidade de Deus” representa a melhor definição da santidade cristã: reconhecer-nos como quem recebe tudo de Deus, deixar-nos amar e guiar por Ele, assemelhar-nos a Ele para fazer carne viva em nós os sentimentos de compaixão e misericórdia que Ele tem com todas as pessoas.
Em outras palavras, a santidade significa viver o divino que há em nós.
Só descobrindo o que há de Deus em nós, poderemos cair na conta da nossa verdadeira identidade.
Todos somos santos, porque nosso verdadeiro ser é o que há de Deus em nós; embora a imensa maioria das pessoas não tem consciência disso ainda, não podemos deixar de manifestar o que somos. Somos santos pelo que Deus é em nós, não pelo que nós somos para Deus. É santa a pessoa que descobre o amor que chega até ela sem mérito algum de sua parte, mas deixa-se envolver por este amor expansivo e passa a viver uma presença amorosa.
Não temos de pensar somente nos “santos e santas” canonizados, nem naqueles que viveram virtudes heroicas, mas em todos os homens e mulheres que descobriram a marca do divino neles, e sentiram-se impulsionados a viver com intensa humanidade. Os santos foram e são humanos por excelência. E a plenitude do humano só se alcança no divino, que já está presente em todos nós.
Não se trata de nos fixar nos méritos de pessoas extraordinárias, mas de reconhecer a presença de Deus, que é o único Santo, em cada um de nós.
Assim, no chamado à santidade, aspiramos somente a ser cada dia mais humanos, ativando o amor que Deus derramou em nosso ser.
Ser santo, portanto, é “arriscar-se” em Deus. É privar-se das humanas certezas em nome da Sua Verdade. É excluir-se das seguranças e estabilidades do mundo.
Por isso a santidade é surda aos critérios do mundo, ao cálculo utilitarista… sem sucumbir às idolatrias do progresso a qualquer custo, da eficiência, da produtividade…
O modo de proceder do santo no mundo é imagem fiel do modo de proceder do próprio Deus, que é princípio e garantia da Verdade, do Bem, da Justiça, da Misericórdia, da Compaixão…
Textos bíblicos: Ef 1,1-14; 1Ped 1,13-25; 2Tim 1,6-14
Na oração: A chave da felicidade está em permitir que se revele o sentido da luminosidade que se encontra no fundo de nosso ser. O que nos tira a energia e nos torna estéreis é afastar-nos desse princípio vital que é o Divino em cada ser.
A santidade é luz expansiva do divino que se faz visível no “modo contemplativo” de viver.
– Sua presença junto às pessoas é transparência da santidade de Deus?