8 – “Conversar no Senhor”
“Quanto ao vosso conversar com os outros, fazei oração especial todos os dias
para que Deus se digne dar-vos discrição e graça para edificar e não destruir”
(S. Inácio)
“… segundo nossa vocação, conversamos com todos (os próximos)…” (S. Inácio, MI, Epp. IV,627).
Esta frase de S. Inácio sintetiza admiravelmente a missão educativa. Para ele, o “conversar” se refere ao mesmo tempo à palavra comunicada e o cuidado pessoal: com as pessoas “se conversa” e “se trata”.
S. Inácio, quer pelas conversas, quer pelas cartas, sempre insistiu no contato de “pessoa a pessoa”, a sós, no qual ambos se esforçam por descobrir juntos, a cada instante, aquilo que é Vontade de Deus.
S. Inácio possuía a arte de conhecer os afetos e inclinações de cada pessoa:
– não começa diretamente pelo espiritual senão pelo que interessa à pessoa com quem se fala, segundo seu estado, profissão e circunstâncias presentes, e de acordo com suas intenções e gostos, aproveitando a oportunidade que ela oferece para tratar de seu aproveitamento espiritual;
– falando primeiro de coisas muito gerais S. Inácio espera assim que seu interlocutor abra sua consciência;
– de tal maneira se comporta nessa relação “que as primeiras vezes que conversa com alguém, logo lhe conhece da cabeça aos pés” (Gonçalves da Câmara, FN, I, 647).
Esse conhecimento intuitivo das pessoas foi antes de tudo um dom que Deus lhe deu “para ajudar o próximo”. Essa maneira de proceder de Inácio brota de um profundo respeito à ação do Espírito no interior das pessoas; de fato, sua conversação, como toda sua vida, se desenvolve na mobilidade e liberdade vital do Espírito que a anima, dentro dos critérios ditados por sua “discrição e prudência”.
Trata-se de “conversar no Senhor”, ou seja, encontrar e revelar seu Espírito numa atitude de contínua disponibilidade e abertura. A conversação assim concebida é sempre operante, construtiva e edificante.
Conversar no Senhor requer, como primeira medida, uma adaptação total à outra pessoa, que Inácio resume na frase do Apóstolo Paulo: “fazer-se tudo para todos, a fim de salvar alguns a todo custo” (1Cor 9,22). Isto exige um conhecimento do outro o mais profundo possível, para “mover” seu entendimento, seus afetos e sua vontade.
Esta adaptação faz com que a conversação seja dinâmica e progressiva, segundo a pessoa e sua diversidade de circunstâncias. Para S. Inácio, tudo isso é fruto da “discrição” e “unção” comunicadas pelo Espírito: “acomodando-se a todos com prudência santa, o que ensina principalmente a unção do Espírito Santo ainda que o homem ajuda com a consideração e diligente observação” (MI, Epp. XII, 253).
Com grande tato e segurança, a conversação com Inácio vai dispondo e preparando cada pessoa para adquirir a experiência e o conhecimento espiritual dos sentimentos (moções) que a agitam em seu interior, para que possa chegar, com toda a liberdade espiritual, a uma decisão de vida.
Esta “discreta conversação” fornece os elementos necessários para a própria pessoa tirar suas conclusões e para fazer um discernimento espiritual pessoal.
De onde brota esse dom da “conversação espiritual”?
Certamente dos EE., onde o colóquio ocupa o centro de tudo na experiência. Os colóquios com as Pessoas divinas, com a Virgem Maria e com os santos se prolongam em colóquios com as pessoas.
“Encontrar Deus em todas as coisas” é, primeiramente, descobri-lo através das conversações; o apóstolo é aquele que ao ir ao encontro dos outros, descobre “diante dele”, a presença e a atuação do Espírito neles. Deus nos fala ao coração e nos vem através dos outros.
A conversação é uma experiência profundamente humana de proximidade, de conhecimento, de intercâmbio, de ternura… um encontro entre caminhantes que vão compartilhando histórias de vida, esperanças e frustrações, vontade de transcender…
Na conversação, o que importa é a pessoa do outro e não os problemas que apresenta… ela é o lugar privilegiado de encontro e descoberta misteriosa do outro.
A conversação nos liberta da solidão e do fechamento, fazendo-nos crescer na transparência.
Texto bíblico: Lc 24,13-35.
“Os discípulos conversavam e discutiam…”: conversa de desânimo, de tristeza, que não constrói… Pela conversa a pessoa manifesta quem ela é. “Onde está sua conversa, aí está seu coração”.
– Quais são suas conversas? Elas animam os outros, eleva-os, “aquecem seus corações?…
– Aguce seus sentidos, abra o coração; há tantos que não podem mais esperar, pois ansiosos aguardam uma presença que acolha e uma palavra que os anime.