4 – “Admirável peregrino, todos seguem teu caminho”
“Talvez eu não soubesse andar pelo caminho, se Deus não estivesse,
como a aurora, rompendo-me a neblina e o cansaço”
(Pedro Casaldáliga)
Na vida de S. Inácio há uma continuidade misteriosa entre Manresa e Montmartre, entre Montmartre e Roma. O que Deus comunicou a Inácio durante o retiro de Manresa foi o segredo dos seus itinerários.
Ensinou-lhe as disposições indispensáveis para ouvir os seus apelos, reconhecer o seu Espírito, realizar passo a passo os planos que eram seus, de Deus.
E Deus precisava de um homem “segundo o seu coração”, que cumprisse a sua Vontade.
Ao conceder a Inácio tamanha experiência do discernimento dos espíritos, Ele o conduziu até aquele extremo de desprendimento pessoal onde o coração humano acaba respirando no universo de Deus, pulsando ao ritmo do coração de Deus, olhando o mundo com os olhos de Deus.
Uma palavra, de que tanto Inácio como seus companheiros gostavam, resume e simboliza a mentalidade inaciana: a peregrinação. Eles são essencialmente peregrinos, sem cessar a caminho duma Jerusalém ou de outra… Andam estradas afora, ao sabor de Deus, com os passos de Deus…
A Estrada, são todos os caminhos do mundo, da Espanha, da França, da Itália, da Índia, do Brasil… Mas é muito mais a Senda de mistério e luz que o Senhor os faz seguir no decorrer de suas longas caminhadas.
Na estrada do peregrino, há o despojamento, a pobreza, por vezes a fome e a sede, os caprichos das estações, a incerteza dos dias de amanhã. Há a liberdade do espírito, horizontes infinitos, sem limites nem constrangimentos, os ímpetos de adoração, de oblação, de ação de graças.
Há o imprevisto, o acontecimento inesperado, favorável ou adverso, que é o melhor e mais seguro dos sinais de Deus, que comanda o ritmo da marcha, as paradas, as estadias, as partidas, as mudanças de rumo ou itinerário. Há o encontro com “fiéis e infiéis”, companheiros que só por algum tempo “seguem caminho”, ou companheiros que se mantém fiéis, amigos que ajudam, inimigos que espreitam, gatunos que roubam, pobres que compartilham o mesmo pão.
Finalmente, a Estrada aproxima o peregrino cada dia, a cada instante, da meta ainda escondida, mas certa. Ao voltar-se para trás, ele se dá conta de que o itinerário foi realmente maravilhoso, que a experiência o transformou, que está mais “puro”, mais “livre”, mais “autêntico”… numa palavra, que Deus, que está no termo, já palmilhava a Estrada com Ele.
A oração, o discernimento, a eleição… são as medidas mais importantes para “andar no caminho certo”. É a parada, o pouso momentâneo onde “acerta-se os ponteiros”, orienta-se, faz a sua opção. Pausa de solidão, silêncio, reflexão e colóquio com Deus, a fim de ter a certeza de estar caminhando certo, de acordo com o itinerário de Deus.
Textos bíblicos: Gen 18,1-15; Mt 4,23-25.
– Nas nossas vidas acontece algo de verdadeiro e belo quando nos dispomos a buscar dentro de nós mesmos a razão da nossa existência.
– A nossa vida é um êxodo, um sair constante de uma realidade para entrar em uma outra realidade nova. O peregrinar é o elemento determinante e com maior valor simbólico para toda a vida.
– Existem ainda céus por explorar, aventuras por empreender, pensamentos por experimentar e experiências por aceitar;
– falta-nos ainda muito por saber, por ver, por sentir, por desfrutar… Precisamos ser discípulos da escola da vida.
– No “mapa espiritual” de nosso interior ainda existe uma “terra desconhecida”, que proporciona interesse à vida, suscita curiosidade, nos põe a caminho… Grandes surpresas interiores estão à nossa espera, e a capacidade de continuar procurando é que dá sentido ao esforço e vigor à vida.
“Madonna della Strada” (Nossa Senhora da Estrada), capela confiada a Inácio e seus companheiros, em Roma. Junto dela foi construída a primitiva sede da Companhia de Jesus, onde S. Inácio, por 15 anos, acompanhou as atividades dos seus filhos pelas estradas do mundo, infundiu-lhes o entusiasmo missionário, sustentou-os em suas lutas. A “Estrada” será por longos anos o coração da Companhia de Jesus.
Instalemo-nos aos pés de Inácio e deixemo-nos “levar com ele”, como por onda imprevista e irresistível.