21 – Mística inaciana x globalização
A originalidade no meio do mundo.
Vivemos, a nível mundial, uma grande tensão e que certamente marcará o 3º milênio. Trata-se da tensão entre a mundialização em rápido avanço e as realidade locais em risco de extinção.
O fenômeno da globalização se apresenta a nosso discernimento com seus aspectos inegavelmente positivos e outros perigosamente negativos.
Por um lado, hoje vivemos uma situação de mudanças profundas e vertiginosas que afetam todos os povos; o mundo está se convertendo numa “aldeia global” pela rapidez das viagens, a fulgurante velocidade das comunicações, das notícias, das transferências comerciais, das novas tecnologias…
Por outro lado, a globalização inclui o perigo de ir adiante sem respeitar as culturas e as nações, as línguas e as pessoas em sua justa particularidade. Em especial, a globalização econômica não está funcionando de modo algum em benefício da humanidade e ao serviço de todas as nações.
S. Inácio tinha uma visão claramente mundial: “a nossa vocação é ir de um lugar para outro e viver em qualquer parte do mundo onde se espera maior serviço de Deus e maior ajuda das almas” (Const. 304).
Tendo claro que ele aspira às dimensões do bem universal, que é sempre o melhor bem, a missão exige disponibilidade apostólica para as dimensões do mundo inteiro. Mesmo tendo a responsabilidade particular de um lugar concreto e limitado da “vinha do Senhor”, o carisma inaciano nos incita a não fecharmos nesta particularidade e a não isolarmos do corpo universal apostólico.
É indispensável viver concretamente esta tensão: é necessário pensar globalmente, mas nossa ação deverá ser em função das realidades locais.
Não podemos eleger entre o global e o local: teremos que viver a tensão entre o bem universal e o particular. Depende de nós que esta tensão seja proveitosa para o bem da humanidade.
S. Inácio não duvidava em pôr seus companheiros diante desta tensão apostólica: exigia, por uma parte, uma disponibilidade universal e, por outra, pedia que se aprendesse a língua e a cultura do lugar onde o Senhor da vinha envia o seu missionário.
A mundialização, no espírito de Inácio, jamais deveria conduzir a uma uniformidade, senão à união, a uma comunhão no Espírito na qual a riqueza e a surpreendente diversidade de culturas e línguas, de correntes de espiritualidade, de escolas teológicas, de igrejas locais, de vocações do laicato, de vida consagrada… dão lugar a um acontecimento pentecostal.
Isto implica uma autêntica fraternidade na missão.
A sensibilidade e a preocupação pelo universal a partir do particular de que temos responsabilidade é a que nos há de estimular a buscar respostas novas, a sermos criativos e audazes…
Nas entranhas de nossa missão está a “contemplação do mundo, com tanta diversidade de gentes, de raças e trajes, uns em paz e outros em guerra…” (EE. 102-109).
Neste novo milênio, o Espírito nos chama a cada um de nós a uma maneira mais aberta e livre de relacionarmos com todos aqueles que são os outros. Afinal “somos pessoas para os outros e com os outros”.
A cultura do mundo no qual agora vivemos requer outro tipo de ascética: uma ascética de relações.
Somos desafiados a “viver uma vida no mundo e no coração da humanidade” (P. Kolvenbach).
O desafio que se nos apresenta é o de sermos muito fiéis à realidade que nos cerca, para poder descobrir a novidade de Deus numa experiência “mística” que nos faça tocar no mais profundo desta mesma realidade.
Também, através dos “chisps”, “bites” e satélites do nosso universo eletrônico se infiltra o Espírito. Não se trata de fugir da realidade, mas de perceber sua última dimensão, na mais profunda dinâmica, ali onde o Espírito de Deus e o nosso se fundem em uma combustão que nos torna criadores da novidade neste mundo.
Pelos circuitos eletrônicos somos chamados à solidariedade universal, à busca da transcendência, à defesa da terra, ao anúncio dos valores do Evangelho… a termos “entranhas impacientes”, mas de compaixão, de partilha, de justiça e comunhão…
Precisamos, de tempos em tempos, distanciarmos da realidade para captar a novidade de Deus no meio deste mundo globalizado. É ali que aparece, por obra do Espírito, o broto germinal do “nunca visto”, a surpresa de Deus como um desafio para todos, um convite profético para um novo modo de viver.
O fundamental é o que anunciamos, o valor evangélico novo, encarnado no meio deste mundo, capaz de dar carne e osso às aspirações de muitos corações de boa vontade que se deixam mover pelo Espírito alentador em meio às preocupações e buscas.
O “nunca visto” nos faz descobrir traços nunca antes percebidos da pessoa.
Texto bíblico: Mc 2,1-12: de Jesus ao olhá-lo agora a partir de uma situação inédita.