20 – Escola inaciana: um jeito próprio de rezar
“O verdadeiro amante ama em toda parte e sempre se recorda da amada;
seria coisa difícil se só nos lugares tranqüilos se pudesse fazer oração”
(S. Teresa)
De sua experiência, S. Inácio retirou uma lição: não é o tempo consagrado à oração que é decisivo, mas a “atitude de coração” daquele que pretende rezar. Ele relativiza o aspecto do “tempo” gasto na oração, para colocar o acento sobre a disponibilidade do coração (atitude interior). Antes de tudo, S. Inácio coloca a liberdade ou o grau de desapego que lhe permitirá “encontrar Deus a todo momento” para cumprir a Sua Vontade. Em resposta ao estudante jesuíta Antonio Brandão, S. Inácio escreve:
“… mas pode exercitar-se em buscar a presença de Nosso Senhor em todas as ações, como é conversar com alguém, ir e vir, divertir-se, escutar, entender, enfim, tudo o que fizermos; pois verdadeiramente sua Divina Majestade está em toda parte por presença, poder e essência. Esta maneira de meditar, achando Deus em todas as coisas, é mais fácil do que levantar-nos às realidades divinas mais abstratas, pois nossa presença diante delas exige esforço. Este excelente exercício nos dispõe para grandes visitas do Senhor, mesmo no decurso de curta oração”.
A originalidade de S. Inácio permite superar de uma vez a dicotomia entre ação e oração. Para ele, a própria ação é oração na medida em que ela é o “lugar” do encontro com Deus.
“Convém, portanto, no próprio coração da atividade, voltar freqüentemente à oração e realizar um movimento circular que vai da oração à ação, e desta à oração” (P. Nadal).
Mais que um exercício, a “oração na vida” ou oração apostólica é, para S. Inácio, uma maneira de viver.
Tal maneira de rezar – “encontrar Deus em todas as coisas” – é um dom de Deus. Cada um recebe esse dom na medida que Deus lhe concede, e que ele coopera com toda humildade, simplicidade, pureza de coração… Logo, tal oração não se improvisa. Ela é resultado de um longo aprendizado, que se inscreve no interior de uma vida espiritual bem conduzida.
A pessoa inaciana reza, às vezes utilizando a meditação, que é o exercício da racionalidade, da vontade, da memória (a parte mais masculina), outras vezes reza utilizando a contemplação que é o exercício da sensibilidade, do intuitivo, do sensível (a parte mais feminina). A contemplação chega ao seu cume na aplicação de sentidos, onde se exercita toda a sensibilidade. É aqui que S. Inácio dá à sensibilidade um papel que nunca tinha sido dado até então. A oração do inaciano envolve a totalidade das dimensões humanas: corpo, mente, afetividade, coração… num processo de integração e harmonização. Tudo é mobilizado para a experiência do encontro com o Senhor.
A pessoa inaciana está habituada a uma oração contextualizada. O esquema dos Exercícios serve como o trilho por onde se desliza sua experiência. A rota dos Exercícios é a combinação da História da Salvação, apresentada à maneira de Inácio, em articulação com a história da própria vida: a “biografia espiritual”. Isto se converte no caminho básico da condução da oração.
Tudo isto nos indica o talante da oração inaciana: é uma oração que torna a pessoa “contemplativa na ação”, e numa ação que terá repercussão política, porque quer mudar o rosto do mundo.
Conclui-se que, para o inaciano, os Exercícios, além de ser uma escola de oração, são sobretudo, escola de vida. Escola que pode ajudar a inverter este fato: “assim como nos comportamos na vida, nos comportamos também na oração”, para passar, depois de seu aprendizado, para esta realidade: “assim como nos comportamos na oração, podemos também nos comportar na vida”.
Ou seja, se na oração durante os Exercícios se aprende a ter um novo padrão de conduta, é possível – com a força da graça – começar a ser uma pessoa nova na vida. Se levarmos em conta que a experiência profunda de encontro com Deus vivida nos Exercícios, modifica também o inconsciente, o exercitante se torna realmente uma pessoa nova.
Textos bíblicos: Mt 6,5-15; Mt 7,1-11; Lc 18,9-14; Lc 1,46-56.
Na oração: S. Inácio não propõe exercícios lógicos para que nos animemos a fazer o que é correto; ele propõe “exercícios” para ajudar-nos a abrir nosso espírito à ação do Espírito de Deus: é este o enorme poder que nos transformará. A oração inaciana não é para “re-fazer” a pessoa, mas para potencializá-la, para liberar energias e riquezas, torná-la criativa, colocá-la em movimento, tirando-a da acomodação, dinamizando sua capacidade para o bem, para o “mais”.